São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 1997
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Extrair do passado o futuro

MARCO MACIEL

Brasil e Portugal preparam-se para comemorar os cinco séculos do encontro de duas civilizações. Para a antiga metrópole, as celebrações dizem respeito a uma etapa crucial de sua evolução histórica, que traduz, essencialmente, a expansão de suas fronteiras, por meio do tema que centrará a Exposição Internacional de Lisboa de 1998, "Os Oceanos". Para nós, brasileiros, é a oportunidade de avaliarmos o nosso destino como nação.
Em 1922, no Centenário da Independência, realizamos uma etapa densa dessa avaliação. Houve a Exposição Internacional do Centenário e o 1º Congresso de História Nacional, cujos resultados se desdobraram em acontecimentos como a Semana de Arte Moderna, que Gilberto Amado definiu como "o despertar do Brasil dentro de nós".
O quinto centenário do encontro de duas civilizações não pode, pois, desaguar em mais uma oportunidade perdida para restaurarmos a história, preservamos a memória e, consequentemente, definirmos nossa própria trajetória.
O êxito do grandioso processo de miscigenação e crescimento de que nasceu, na observação de Gilberto Freyre, a mais bem-sucedida "civilização dos trópicos" não nos dispensa, porém, de repensar nossas carências e de avaliar as oportunidades perdidas.
Na Independência, éramos cerca de 3 milhões de habitantes de um imenso país, desconhecido em sua maioria e cercado de incertezas. Passamos de uma sociedade sem classes para uma imensa sociedade de massas complexa, criativa e inquieta. Criamos nossas próprias instituições, passamos de Monarquia a República e de Estado unitário a assimétrica e diversificada Federação.
A vida política tornou-se, ao mesmo tempo, mais participativa e conflitiva, como em toda democracia. Sabemos o que somos, sabemos de onde viemos e seguramente sabemos o que queremos. O caminho que teríamos de trilhar para atingir nossos objetivos é que talvez nem sempre tenha sido claro.
A história não é uma trajetória linear e sem atalho. Às vezes, há retrocessos, mas, a despeito deles, é possível avançar. A crença de que temos um grande destino parece ter permeado a nossa civilização.
Somos um povo operoso, assumimos desafios e superamos obstáculos. Temos unidade territorial e unidade linguística. Mantemos a unidade nacional sem artifícios, sobretudo porque soubemos valorizar a diversidade.
Tudo isso é um enorme patrimônio de que podemos nos orgulhar. Padecemos as dores do crescimento, e muitas delas ainda estão presentes no nosso cotidiano, como os constrangimentos que impedem que o bem-estar possa ser desfrutado por todos.
A vida social, a vida real, a realidade econômica e os transtornos políticos inspiraram a poderosa e talentosa literatura e um acentuado espírito crítico, que é um enorme sinal de vitalidade. Enriquecemos, nesse campo, a língua que herdamos.
Nossa grande contribuição à convivência harmônica de tantas raças, de muitas origens e de várias culturas provavelmente terá sido, contudo, a mobilidade social extremamente rica de um país em constante transformação e sujeito a sucessivas e intermitentes mudanças. Aqui convivem as mais variadas confissões religiosas e os descendentes de outros povos que adensaram o nosso patrimônio cultural, intelectual e moral.
Todo esse itinerário torna indispensável que aproveitemos a passagem dos 500 anos -que, emblematicamente, coincide com o início do terceiro milênio da Era Cristã- não apenas para festejar a data, mas, sobretudo, para refletir sobre as nossas expectativas quanto ao futuro. Pois o mais importante é que, finalmente, estamos no caminho certo: instauramos a democracia, estamos consolidando com êxito nosso processo de desenvolvimento sustentado e marchamos para vencer as enormes desigualdades sociais.
Não podemos perder, portanto, a oportunidade do quinto centenário para, iluminados pelo passado, refletir sobre o futuro, que abre expectativas extremamente positivas para o Brasil.

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