São Paulo, segunda-feira, 23 de junho de 1997
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Estamos formando robôs

SILVESTRE HEERDT

O que estaria limitando a universidade ao papel de apenas preparar o estudante para a convulsiva disputa de espaço no mercado de trabalho, privando-o da formação política? Seria o fim das referências ideológicas tradicionais, o legado da cultura militar que contaminou a reforma universitária ou o efeito inebriante da contracultura inserida em programas de televisão?
É temeroso querer caracterizar a alienação da maioria dos jovens como consequência do esvaziamento cultural promovido pelo avanço da tecnologia da informação, que abrevia o conhecimento e, em troca, amplia o lazer.
É preciso que as universidades façam, definitivamente, o "mea culpa" da sua omissão no contexto das mudanças que, indubitavelmente, ocorrem em todos os segmentos brasileiros, menos nos campi universitários.
Tem razão o filósofo francês Edgar Morin, ao considerar que a invasão do político pelo pensamento tecno-econômico, que passa a ser tecnocrático e econocrático, subordina a atenção e ação políticas aos aspectos e soluções tecno-econômicas dos problemas. Contudo fica no ar a pergunta: para que serve a universidade, se não assume o papel de agente de mudança?
O estudante dos anos 60, ao longo da sua formação profissional, interessava-se -e muito- pelos conteúdos de sociologia, filosofia e política e, por essa razão, não foi difícil o desenvolvimento das potencialidades políticas que culminou com a revelação de notáveis líderes ainda hoje em evidência.
Assim, o jovem se formava sem perder de vista os limites da ética e da moral. Havia em salas de aula professores conscientes de que a alienação confina o jovem na sociedade, a exemplo dos tempos atuais, em que as turbulências políticas causadas por queda de presidente, escândalos do Orçamento e denúncias de corrupção não o motivam à menor reação.
A universidade sofre de paralisia e condiciona o estudante ao processo de mecanização da aprendizagem formal. Com isso, o jovem não se liga à vida da nação, interessando-se apenas por aquilo que apenas lhe dê satisfação pessoal.
Por negligência da escola ou conivência dos pais, o jovem não é estimulado a desenvolver a sensibilidade crítica e evita discutir questões sociais e políticas e pouco está se lixando para os fundamentos filosóficos e sociológicos.
A palavra politização continua abolida da preocupação da universidade, que se nega a enxergar o embasamento filosófico como essência ao exercício de qualquer profissão.
A propósito, a palavra "cidadania" virou moda, como se fosse uma descoberta de final de século. O país descobriu tarde que cada brasileiro tem o direito a exercer a sua cidadania. Contudo limita-se a difundir o conceito de cidadania, sem ensinar o povo a exercê-la.
A universidade brasileira precisa fugir à mesmice e aos ranços corporativistas e sacudir a sua estrutura. Está na hora de ajudar o Brasil a exercitar a arte, a política, a ética, a moral; despertar novas lideranças capazes de brecar o fisiologismo em nome de uma sociedade justa e ética.
E não basta colocar em salas de aula professores sisudos de filosofia e sociologia que carregam há 20 anos o mesmo roteiro de sua disciplina. O jovem precisa também se encantar com conteúdos que lhe proporcionem bases culturais para, com isso, entender que uma sociedade só se auto-organiza e se autodetermina se cada cidadão influir nas mudanças e não for apenas um componente de uma sociedade controlada e desenvolvida por ações do poder de Estado.
E a mesmice brasileira, infelizmente, serve de sinônimo para o pecado da universidade de insistir na robotização de seus alunos.
Assim como os jovens, a universidade tem que se libertar das fronteiras que a aprisionam a uma legislação que já nasceu obsoleta.

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