São Paulo, segunda-feira, 23 de junho de 1997
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Como um professor virou aluno de seus alunos

GILBERTO DIMENSTEIN
DE NOVA YORK

Quando vim morar em Nova York, em 1995, comecei a fazer pesquisas sobre educação para a cidadania, ligado ao Centro de Direitos Humanos da Universidade de Columbia -a partir daí, entrei numa das experiências mais interessantes da minha vida de profissional, lidando com a transmissão de conhecimento.
O projeto: ensinar, via Internet, direitos humanos para estudantes brasileiros. Ao mesmo tempo em que aprenderiam como lidar com as novas tecnologias, absorveriam noções básicas de cidadania. Eles mandariam perguntas, trabalhadas com os professores em sala de aula, e eu, de Nova York, responderia.
Já se passaram quase dois anos do início da experiência, chamada de "Cidadão na Linha", desenvolvida no Colégio Bandeirantes (http://www.colband. com.br). A idéia é, com base nesta experiência, criar um modelo aplicável em qualquer escola, especialmente pública.
Logo se inverteram os papéis: os alunos estavam me ensinando direitos humanos. Isso porque, apoiados por professores de diferentes matérias, como história do Brasil, universal, filosofia, redação e sociologia, adaptaram o tema cidadania a sua realidade, dando vida aos conceitos.
Ajudaram a montar todo um currículo, usando como ponto de partida a violência, da desigualdade, da discriminação, da miséria, do desemprego. Montaram uma home page com linhas do tempo da história, explicando cada passagem historicamente relevante. Por exemplo: quando falaram da Grécia da Antiguidade, escreveram como viviam os pobres, escravos, mulheres.
Sem se dar conta, tinha escrito um livro de história na Internet, acessível a qualquer um. É, na verdade, um aprendizado coletivo, no qual confundem-se os papéis de professor e de aluno. Criaram um jornal on line, espaços com dicas culturais e até um projeto de fotografia on line.
O resultado é que, a partir do próximo semestre, duas escolas públicas de São Paulo vão usar o ensino de cidadania simultâneo ao aprendizado de Internet; e alguns alunos do "Cidadão na Linha" se mostram entusiasmados em servir como monitores, o que mostra que entenderam o significado da cidadania.
Direitos humanos não são um aglomerado de conceitos abstratos. É o dia-a-dia, é a violência, o emprego, globalização, respeitar e ser respeitado, sexo.
Descobrir direitos humanos é, em essência, descobrir a realidade mais próxima -e, por isso, os alunos me ensinaram como a descoberta da realidade pode provocar tanta curiosidade e, assim, prazer pelo conhecimento.

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