São Paulo, segunda-feira, 23 de junho de 1997
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Roberto Santos ganha biografia e evento

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Dez anos depois de sua morte, o cineasta, roteirista, professor de cinema e agitador cultural Roberto Santos (1928-87) ganha sua primeira biografia, em meio a uma série de eventos em sua homenagem (leia texto abaixo).
Para o jornalista e pesquisador Inimá Simões, 47, autor da biografia, essa onda de homenagens é diretamente proporcional ao esquecimento a que Roberto Santos esteve relegado nos últimos tempos, mesmo desde antes de sua morte.
"Roberto foi relativamente esquecido por três motivos", disse o biógrafo à Folha.
"Primeiro, porque ele era um 'outsider' total, não se enquadrava nas turmas existentes. Segundo, porque seu cinema era o de um contador de histórias, preocupado com detalhes da vida brasileira, numa época em que eram valorizadas as grandes metáforas políticas. Terceiro, porque ele era ligado à cultura do homem simples, não tinha a sofisticação intelectual de outros cineastas."
Apesar do injusto segundo plano a que Roberto Santos ficou relegado, hoje ninguém nega que ele criou pelo menos duas obras fundamentais da cinematografia nacional: "O Grande Momento" (1958), lírica crônica de bairro inspirada no neo-realismo italiano, e "A Hora e a Vez de Augusto Matraga" (1965), a única adaptação bem-sucedida de um texto de Guimarães Rosa.
Raízes
"O Grande Momento", por sua vez, tem tudo a ver com as raízes do cineasta, nascido no bairro paulistano do Brás, filho de um fotógrafo espanhol e uma italiana. O espírito humanista, familiar e comunitário que anima o filme dá a chave para toda a obra do diretor.
"Ele era um homem de bairro, nunca saiu do bairro", resume Inimá Simões. Isso pode ser entendido literalmente. Roberto Santos morou a vida toda em bairros tradicionais de São Paulo, como o Brás e o Bexiga, e só saiu do Brasil duas vezes: em 1965, quando levou "Matraga" ao Festival de Cannes, na França, e em 1985, quando participou de um encontro literário em Angola.
Ao contrário da maioria de seus colegas de ofício, Roberto Santos só teve uma mulher, Marília Santos, hoje guardiã de sua obra e de sua memória. Manteve-se fiel também aos ideais de juventude -um vago anarquismo herdado do pai imigrante, embora na juventude tenha flertado com o Partido Comunista.
Mestre e incentivador
Além de cineasta de primeira grandeza -"um dos mais completos, tecnicamente", segundo Simões-, Roberto Santos foi também professor em duas escolas de cinema de São Paulo: a São Luís e a da ECA-USP.
Realizou com alunos da ECA dois longas-metragens, "Vozes do Medo" (1971) e "As Três Mortes de Solano" (1975). Influenciou, como mestre e inspirador, cineastas tão diversos quanto Carlos Reichenbach, Djalma Batista e Chico Botelho, aos quais legou o lema: fazer das dificuldades de produção elementos de criação.
Sua generosidade e seu calor humano eram proverbiais. Inimá Simões diz que até evitou, na biografia, o tom emotivo, que surgia naturalmente nos depoimentos dos entrevistados.
Em contrapartida, Roberto Santos tinha duas características que dificultavam sua vida social: o temperamento algo irascível e a paranóia.
"Roberto tinha em grau elevado uma tendência muito comum entre os cineastas brasileiros: a de achar que tudo estava contra ele", diz Inimá Simões.
Mostrou, entretanto, uma coragem admirável ao enfrentar a censura no período mais duro da repressão com "Vozes do Medo".
Nos últimos anos, angustiado com a desumanização do homem pela técnica e pelo mercado, assumiu, na vida e nos filmes (como "Os Amantes da Chuva"), uma atitude quase quixotesca.
Uma imagem eloquente e definitiva dessa sua postura saiu na primeira página dos principais jornais: ao ver que a Prefeitura derrubava uma velha tipuana em frente a sua casa, na Bela Vista, subiu na árvore e ficou lá, para impedir a derrubada.
"Ele se transformou cada vez mais em seus personagens, que, mesmo sem a menor chance, levantam a cabeça e resistem", resume Simões.

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