São Paulo, quinta-feira, 26 de junho de 1997
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Catherine David discute sua Documenta

CELSO FIORAVANTE
ENVIADO ESPECIAL A KASSEL, NA ALEMANHA

Depois de passado o primeiro fim-de-semana da mostra Documenta de Kassel, na Alemanha, a curadora francesa Catherine David pôde respirar e concedeu, anteontem, uma entrevista exclusiva à Folha sobre questões específicas do evento.
A mostra, que vai até 28 de setembro, reúne trabalhos de cerca de 250 artistas e conta com Hélio Oiticica, Lygia Clark, Tunga e Cabelo na representação brasileira. Leia alguns trechos da entrevista.
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Folha - Por que você decidiu que os parangolés de Hélio Oiticica não fossem manipulados? Isso não dá uma compreensão parcial da produção de Oiticica, uma vez que se tratam de experiências sensoriais, além de objetos artísticos?
Catherine David - Esse é um longo debate, que tive inclusive no Brasil, mas penso que a obra de Oiticica, assim como a de Broodthaers, está agora em um processo de historicização. Temo, às vezes, por certos usos da obra em um momento que não é mais o seu.
Eu acredito que, efetivamente, sobretudo pela forma como está articulado nesta Documenta, com maquetes, parangolés, bólides e penetráveis, o trabalho de Oiticica produz uma articulação de sentidos suficiente neste momento.
Os parangolés são ainda muito frágeis e devem ser conservados, eu diria ainda a qualquer preço. Eu nem falo da extrema diferença entre utilizar um parangolé no Brasil e na Alemanha.
Aqui seria quase um "guignol". Eu não amo de forma alguma o "guignol". Acredito que toda exposição é um trabalho de interpretação e procuramos colocar nesta Documenta o trabalho de Oiticica no lugar justo. Parece-me que qualquer outro método mais imediato não seria uma maneira de tratamento justa dessas obras.
Folha - Por que você deu uma importância tão grande a obras em que a percepção ou a intenção corporal é predominante?
David - Não acredito que seja a característica dominante da mostra, mas realmente existem peças fortemente articuladas em torno da percepção em níveis muito diferentes. Isso serve para Oiticica, Lygia Clark e mesmo artistas europeus, como Ulrike Grossarth.
Folha - Muitos trabalhos ainda, como as performances, pedem outros tipos de percepção, que não só o olhar. Você acredita que a visão se tornou uma forma de percepção banal, redundante e óbvia?
David - Não, eu penso que há muitas obras nesta exposição que precisam ser olhadas, a começar pela grande representação da fotografia, mas também tenho a impressão de que vivemos naquele momento em que o visual predomina em estratégias publicitárias, televisão etc., mas não é necessariamente o meio mais importante na experiência intelectual.
Acredito que estamos naquele momento que Godard chamou de "a derrota do visual" e que muitas obras nesta Documenta requerem ainda uma experiência do tempo e da situação. De qualquer forma, o que realmente você não vai encontrar nessa é o objeto fetiche.
Folha - Existe também a quase ausência do sexo. Você acredita que o sexo perdeu sua importância depois de sua discussão exaustiva, via Aids, nos anos 80?
David - Acho que a Aids foi muito mais uma questão de comportamento sexual do que uma discussão de sexualidade.
Não estamos mais em um momento de sexualização primária e estamos bem assim.
Folha - O que a Documenta tem que as outras não têm e que a torna a mais importante mostra de arte contemporânea do mundo?
David - Isso vem de sua história, que desde 1955 a torna uma das mais aguardadas, mas, infelizmente, nos últimos tempos, a Documenta se tornou uma grande exposição como qualquer outra.
Nós tentamos assumir as contradições dessa grande máquina que é a Documenta, trabalhando muito e com muita liberdade. Não tentamos ser sistematicamente diferentes, mas ir fundo nas discussões propostas.

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