São Paulo, sexta-feira, 27 de junho de 1997
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Mir espera sem luz chance de conserto

CHARLES ARTHUR
DO "THE INDEPENDENT", EM LONDRES

Os três cosmonautas a bordo da estação espacial Mir enfrentam pelo menos dez dias de espera cada vez mais incômoda até o momento em que poderão sair da estação para consertar os danos provocados por uma colisão com outra nave.
Depois de passar um dia sem dormir, os três foram instruídos a reduzir a iluminação na estação e a se movimentarem o mínimo possível, gastando pouco oxigênio. A idéia é economizar energia, reduzida em mais de um terço depois do acidente ocorrido na terça-feira, quando a estação fazia manobras de acoplagem com uma nave não-tripulada, a Progress.
Um foguete russo contendo os equipamentos para os reparos será enviado à Mir. Mas não vai decolar antes de 4 de julho, devido ao tempo necessário para reunir os artigos e planejar os detalhes da missão. Ontem à noite, a agência espacial norte-americana, Nasa, informou que o ônibus espacial que vai decolar neste fim-de-semana não pode acoplar-se a Mir e que, portanto, não poderá ajudar.
Um comitê de 72 especialistas russos se reuniu ontem por nove horas para planejar a próxima fase da recuperação, que vai envolver a saída dos astronautas da nave para consertar um buraco mais ou menos do tamanho de um selo postal, no módulo Spektr, um dos seis presentes na estação, e os danos causados a um de seus painéis solares, que geram energia para a nave. O Spektr foi isolado do restante da estação espacial.
A tripulação poderia abandonar a Mir, retornando à Terra na nave Soiuz, mas Iuri Koptev, diretor da Agência Espacial Russa, disse que essa possibilidade não está sendo cogitada. A Rússia teme que, sem ninguém a bordo, a Mir, se descontrole e caia na Terra.
"Depois da colisão, avaliamos a situação crítica na estação orbital Mir em cinco, numa escala de sete pontos", disse o vice-chefe da missão, Sergei Krikaliov. A saída dos astronautas da estação já está sendo planejada por equipes na Cidade Espacial russa e na Nasa, utilizando modelos de realidade virtual. A perda de energia dificultou o planejamento, porque a tripulação não tem podido enviar imagens televisionadas à Terra e as comunicações estão restritas a cerca de 15 minutos em cada órbita, que leva 45 minutos.
Os modelos de realidade virtual da estação orbital foram criados pela empresa britânica VR Solutions. Seu diretor administrativo, Bob Stone, aventou a hipótese de que o acidente tenha sido provocado pelo fato de os astronautas terem se esquecido da mecânica simples da troca de órbita. "Não é como 'Guerra nas Estrelas' -a nave não anda sozinha", disse ele. "Quando se está em órbita, a nave sobe e desce e troca de velocidade. Ela se aproxima e se afasta da Terra, e sua trajetória segue uma curva, não uma linha reta. Talvez eles tenham se esquecido disso."
O astronauta norte-americano (nascido no Reino Unido) Michael Foale, 40, foi obrigado a deixar seus pertences e as experiências científicas que fazia quando abandonou o Spektr, onde dormia. O primeiro pedido que fez ontem foi por uma escova de dentes, três tubos de pasta de dentes e um barbeador elétrico.
Mesmo antes do acidente, a vida diária na Mir não era glamurosa. Um astronauta que visitou a estação disse que era como viver num aspirador de pó gigante: "As bombas e os respiros necessários para movimentar o ar fresco geram barulho constante."
A tripulação se "deita" amarrada às paredes com cordas. Como a estação completa cada órbita da Terra em tão pouco tempo, a escuridão reveza com a luz a cada 45 minutos. Atividades corriqueiras se tornam imensamente complexas. "Tudo aqui em cima flutua" contou Foale a seu filho. "Aqui, eu voltei à primeira infância. Tive que reaprender a me lavar, a escovar os dentes, a comer sem fazer sujeira e até mesmo a ir ao banheiro."

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