São Paulo, domingo, 29 de junho de 1997
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Privatização dá tempo ao governo, diz Bacha

LUIZ ANTONIO CINTRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O economista e ex-presidente do BNDES Edmar Bacha, um dos teóricos do Real, considera que os recursos que vão entrar no país por conta das privatizações, algo em torno de US$ 10 bilhões ao ano, vão servir de antídoto para uma eventual crise externa. Com isso, o governo ganha tempo para tocar as reformas.
Em entrevista à Folha, Bacha aproveita para criticar os que defendem a desvalorização do real.
"Não será a desvalorização que vai fazer essa mágica (reequilibrar as contas públicas)", afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

*
Folha - Como o sr. avalia o atual momento do Plano Real?
Edmar Bacha - O importante é o grau de desajuste das contas públicas, que estava escondido pela inflação. O que não se leva em conta é que, quando a inflação era alta, as contas do governo eram ajudadas. O governo podia emitir moeda a rodo e ganhava quando a inflação corroía as despesas. Dava algo em torno de 7% a 8% do PIB. E isso porque, do ponto de vista fiscal, o plano nasceu torto.
Folha - E, no caso da reforma tributária, essas condições continuam não sendo propícias, não é?
Bacha - Claro, claro. Mas me parece que essa questão explicita por que no passado foi tão difícil acabar com a inflação. E agora nós estamos vivendo de tempo emprestado, na medida em que o atraso na votação das reformas e a dificuldade da implantação das privatizações não dão ao governo os recursos adicionais.
Folha - Mas, do lado das contas externas, o aumento do déficit pós-Real é o outro lado do plano. O sr. vê algum risco de, por exemplo, haver uma crise cambial?
Bacha - Acho que o problema das contas externas não está desligado da primeira questão. À medida que o governo tem de buscar financiamento para cerca de 8% do PIB, que antes a inflação gerava, uma parte significativa desse financiamento virá do exterior.
Folha - E a balança comercial?
Bacha - Se você defende a desvalorização do câmbio para aumentar as exportações e reduzir as importações, então é preciso dizer como é que de um aumento das exportações e de uma redução das importações, que redundariam de uma desvalorização do real, sairiam recursos para financiar o déficit das contas públicas. A conclusão é que não sairia coisa nenhuma. Não será a desvalorização que vai fazer essa mágica. A questão é como se vai resolver o problema do déficit público.
Folha - E daí volta-se às reformas da Constituição...
Bacha - Não tem outra saída. Eu creio que muitos analistas julgam que é possível uma saída fácil. É só desvalorizar o câmbio, aumentar a exportação, reduzir a importação, aumentar o crescimento com o aumento das exportações, e com isso gerar mais receita e se resolveria o problema do déficit público. Lembro de um ministro da Fazenda que há 18 anos, revertendo uma política de controle monetário e fiscal, prometeu ao país que ia combater a inflação aumentando a produção. E deu no que deu. Como num livro do Mario Vargas Llosa, onde uma personagem sempre se pergunta "onde foi que eu me perdi", ou seja, onde foi que o Brasil se perdeu? O Brasil se perdeu naquela decisão tresloucada de, face a uma situação externa extrema e reiteradamente adversa, ainda acreditar que havia soluções fáceis.
Folha - E o sr. acredita que essa dificuldade possa aumentar com o calendário político? É possível haver avanço nas reformas?
Bacha - Acho que, por termos atrasado por tanto tempo essas reformas, felizmente chegamos num ponto em que, apesar de as reformas estarem muito devagar, as privatizações vão começar a ir muito depressa. E há um volume extraordinariamente grande de privatizações a serem feitas nos próximos três anos, algo em torno de US$ 55 bilhões. Então, embora o problema deva ser resolvido de forma definitiva, as privatizações dão ao governo a possibilidade de um compasso de espera. Permite ao país não temer uma crise do tipo da que ocorreu no México.
Folha - Nesse período, qual seria a taxa de crescimento possível para o Brasil? O sr. acredita que seja possível crescer mais do que 3% a 3,5% do PIB, por exemplo?
Bacha - Acredito que não. Com o governo absorvendo essa quantidade de recursos, não há como esperar uma retomada dos investimentos. Enquanto o governo estiver praticando esse grau de despoupança, é impossível pensar em crescer mais de 4%.

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