São Paulo, domingo, 29 de junho de 1997
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O fim da velhice

GILBERTO DIMENSTEIN

Uma minhoca transparente chamada nematode vem estimulando a suspeita de que ninguém sabe o limite do ser humano -e até se existe qualquer limite.
A expectativa de vida dessa minhoca, que mede um milímetro, é de nove dias. Num laboratório de engenharia genética da Universidade McGill, em Montreal, no Canadá, ela ganha mais 43 dias de existência.
Tradução: se essa mesma elasticidade fosse possível ao ser humano, morreríamos com aproximadamente 400 anos de idade. É como se um indivíduo que estivesse lendo essa coluna, agora, tivesse tido a chance de testemunhar o início da colonização do Brasil.
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A Universidade da Califórnia conseguiu um feito mais modesto, mas que igualmente reforça o debate sobre os limites de vida. Dobraram também em laboratório a durabilidade de uma mosca prevista para viver 70 dias.
Um brasileiro teria nascido 13 anos antes de proclamada a República, ainda conviveria com a monarquia e a escravidão.
Alongar indefinidamente a vida é ciência, ficção, lenda ou maluquice?
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As minhocas de Montreal e as moscas da Califórnia deram vida à imaginação nos laboratórios -mas também nas principais redações de jornais e revistas americanas.
Em novembro do ano passado, a "Time", revista de maior circulação mundial, insinuou que as descobertas tiravam da esfera da maluquice a hipótese de imortalidade.
Nas duas últimas semanas, outras duas revistas de circulação nacional -"Newsweek" e "U.S. News & World Report"- investigam a crescente categoria dos idosos, com mais de 80 anos, esbanjando saúde.
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Uma investigação patrocinada pelo governo americano há 39 anos vem desmontando mito atrás de mito.
Os resultados mostram que ter mais de 70 anos não significa estar física ou intelectualmente habilitado. Os especialistas juravam que o país iria quebrar por causa dos idosos. Como viveram mais, passariam mais tempo doentes, sobrecarregando os gastos do governo.
Entre aqueles que se mantém em atividade, exercitando os músculos e o cérebro, ingerindo alimentos saudáveis, apenas uma minoria fica amarrada a uma cama, segundo a pesquisa. É, em suma, o fim da velhice como a conhecemos.
A imaginação voa alto mesmo quando se percorrem os centros de pesquisa, onde são desenvolvidos novos remédios. E, principalmente, as experiências genéticas; aqui está insinuada a hipótese de imortalidade, fincada no imaginário da humanidade desde a criação da fonte da juventude.
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Lendas à parte, o que já temos na mão: existem nos EUA 61 mil pessoas com mais de cem anos. Em uma década, esse clube vai ser no mínimo, segundo estimativas oficiais, quatro vezes maior.
Esse debate atinge em cheio o Brasil, onde a população muda mais rápido do que todos os especialistas previram, com extraordinários impactos em todas as áreas.
Executivos americanos estão de olho nesse bilionário mercado, criando serviços e produtos como casas que funcionem sem exigir locomoção para apagar luz, ligar a TV, fechar portas, tipos de letras dos jornais, telefones com botões que ajudem quem sofrem artrite.
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Uma reportagem da Folha, publicada na quinta-feira passada, pelo repórter José Roberto Toledo, com base em dados do IBGE, informa que a taxa de crescimento populacional caiu para 1,3%.
Nos grandes centros como São Paulo, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte, o número de habitantes se manteve quase estável. Ótima notícia.
A estabilização torna desnecessário, por exemplo, construir novas escolas. Ou gerar tantos empregos.
Se o país continuar crescendo, o investimento social (melhorar a educação, saúde, transporte e segurança) é mais eficiente.
A tendência verificada pelo IBGE é das informações mais importantes para quem tenta, de um lado, entender as perspectivas e possibilidades brasileiras -e, mais ainda, para quem busca aliviar a crise social.
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PS - Uma das razões para a queda tão vertiginosa da população é algo no mínimo polêmico. Está disseminada, muitas vezes sem qualquer esclarecimento, a esterilização. Mas cuidado com histeria: esterilização não é fenômeno de país pobre. É o método preferido pelas mulheres americanas.

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail gdimen@aol.com

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