São Paulo, domingo, 29 de junho de 1997
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A baleia assassina

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - No pátio do hotel San Pietro, de Positano, olhando as luzes de Praiano, ele explicara para Mona como se caçava a baleia assassina, o canhão que atirava o arpão, a infinita corda que ia se desenrolando, serpente e algema, o arpão penetrando no pedaço mais tenro da sua carne, ferida aberta em seu corpo formidável.
Possuída pelo ferro que a mataria, a baleia assassina não perceberia que o oceano inteiro, que até então lhe pertencera, teria agora o tamanho de sua chaga: ela fugia com a fúria de suas colossais nadadeiras. E sua ira era tão violenta que logo se afastava, e se afastava muito, sem saber que, além do ferro e da corda-algema, havia dois olhos cravados nela, olhos vivos do homem que a cobiçava e tinha a certeza de que ela seria dele.
Homem que sabia -sentia na boca esse gosto- que ela estava marcada para ser dele, apesar de ainda julgar-se livre, apenas arranhada, mas senhora das águas todas. Depois sim, vinha a fadiga, a derrota da fera que trazia, como um emblema vermelho, a fenda ensanguentada em sua carne.
Não importava a luta, a convulsão que afastava a caça do caçador -ela chegava, afinal, mansamente, acreditando que estava apenas cansada de lutar e sem saber que já pertencia ao homem.
Encostava o corpo resignado no casco enferrujado do velho navio -aquela ferrugem cor de ouro velho, que o sangue dela manchava: era o primeiro contato de sua pele ainda viva com a carne antiga do homem que a perseguira e vencera.
Teria forças para lutar, seu corpo enorme ainda estava quente, boiando na água que o próprio sangue fazia morna. Agora sabia que seu destino -ela, senhora das águas, assassina dos mares- era terminar possuída pela gula do homem que a desejara. (Trecho nada sutil do romance "A Casa do Poeta Trágico", que entreguei na semana passada à Companhia das Letras.)

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