São Paulo, domingo, 29 de junho de 1997
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Pagando a dívida social

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

No Brasil antigo, dizia-se que obra pequena não valia a pena, porque não aparecia. Obra pequena embaixo da terra, então, era burrice política. E assim fomos negligenciando as obras pequenas, que não aparecem e não dão voto, mas que teriam resultados espetaculares na qualidade de vida e na saúde dos mais pobres.
Um caso exemplar é o do saneamento básico. Um estudo recente evidenciou uma correlação entre o acesso aos serviços de saneamento e a mortalidade infantil por doenças que se transmitem pela água: infecções gastrointestinais, cólera, febre tifóide, esquistossomose, entre outras.
O mesmo estudo indica que, sempre que se aumenta em 1% o acesso da população brasileira com renda inferior a cinco salários mínimos aos serviços de saneamento, pode-se reduzir em 6% o número total de mortes de crianças. Entre esses serviços, a oferta de água é o que tem maior impacto na queda da mortalidade infantil, podendo diminuir os casos em 2,5%.
Pois bem. Nos quatro anos deste governo, estamos investindo R$ 7,7 bilhões em saneamento, dos quais R$ 2,1 bilhões no abastecimento de água. São 1.700 obras de saneamento em 1.323 municípios. Todas as obras que estavam inacabadas, abandonadas, estão sendo concluídas.
Esses investimentos serão suficientes para reduzir a zero o déficit de água, nos domicílios urbanos, no final do ano que vem. Quer dizer que vamos conseguir universalizar o abastecimento urbano de água no país: 32,5 milhões de moradias com água. Parece incrível, não é? Porque obra pequena e debaixo da terra não aparece, mesmo, não tem charme e não vira notícia. Mas dá resultado, melhora muito a situação das pessoas mais pobres. Para nós, é o que importa: não dá voto, mas dá vida.
Dias atrás, um grupo de jornalistas entrevistava na televisão o mais respeitado brasilianista norte-americano, um professor que estuda e escreve sobre o Brasil há quase 40 anos.
Perguntaram a ele se achava que o país estava melhor. Ele disse que sim. E, sem vacilar, citou quatro pontos: o governo passou a se preocupar a sério com a questão dos direitos humanos; a taxa de analfabetismo está diminuindo; o saneamento básico está se expandindo; a mortalidade infantil está caindo. É estranho que, às vezes, alguém de fora aponte avanços fundamentais que nós mesmos, aqui dentro, de vez em quando demoramos a reconhecer.
Na verdade, já conseguimos reduzir em quase 30% os índices de mortalidade infantil -em alguns Estados do Nordeste, em quase 60%- e em 17% a desnutrição infantil. Isso não acontece por acaso, da noite para o dia. Não existe milagre na área social. O que existe são políticas públicas articuladas, paciência e perseverança.
Também para a habitação os recursos voltaram a aparecer. São cerca de R$ 10 bilhões, de várias fontes e para todas as faixas de renda. Ainda temos dificuldades em operar esses financiamentos, até porque é muito dinheiro disponível para ser emprestado, e os agentes financeiros não estavam preparados.
Ainda assim, insistimos e estamos criando, desde o início do governo, vários programas habitacionais, que, pouco a pouco, vão se tornando mais acessíveis e eficientes. Tenho dito sempre que o Estado, no Brasil, nunca esteve preparado para atender os pequenos, a maioria dos cidadãos. Mas posso garantir, hoje, que ele vai aprender.
O Banco do Brasil, o Banco da Amazônia, o BNDES e o Banco do Nordeste, por exemplo, já estão aprendendo a operar com pequenos financiamentos. Pela primeira vez, centenas de milhares de pequenos agricultores familiares estão tendo acesso a crédito oficial, cerca de R$ 1,5 bilhão este ano. A maioria deles nem sequer havia passado pela porta de um banco antes.
Muita gente diz: "Ah, mas é pouco". É mesmo, mas também é um começo onde antes não havia nada. O Programa de Geração de Emprego e Renda (Proger) tem mais R$ 2 bilhões, em 97, para apoiar com crédito pequenas e microempresas urbanas e rurais.
No BNDES, o Programa de Crédito Produtivo Popular colocou à disposição outros R$ 234 milhões, destinados a financiar com créditos entre R$ 200 e R$ 5.000 os projetos de pessoas empreendedoras, que, com um mínimo de recursos, são capazes de montar um negócio, criando seu próprio emprego e garantindo sua renda.
Na área de qualificação profissional, só este ano estamos gastando R$ 580 milhões, para melhorar a capacitação e aumentar as chances no mercado de trabalho de cerca de 1 milhão de trabalhadores. Na educação formal, a partir do ano que vem, entra em operação o Fundo de Valorização do Magistério e do Ensino Fundamental, que vai garantir aos professores das escolas públicas de 1º grau salário médio de R$ 300. Estado que não puder pagar terá o auxílio do fundo, que vai bancar a diferença.
Cerca de 140 mil escolas de todo o país estão sendo equipadas com aparelhos de TV, vídeo e parabólica, para que os professores recebam programas de atualização. O Ministério da Educação prepara, agora, a instalação de 100 mil computadores em 6.000 escolas públicas, que vão permitir às crianças o acesso indispensável à informática.
Nestes três anos de Real, porém, o que mais me gratifica é saber que 13 milhões de brasileiros ultrapassaram as fronteiras da pobreza, estão se alimentando melhor e comprando bens de consumo que tornam a vida menos dura. Nenhum outro plano econômico no mundo incorporou tanta gente em tão pouco tempo.
Com base nos números positivos de investimentos que estamos recebendo, em vários setores e em todos os Estados brasileiros, podemos afirmar -sem medo de errar- que o Brasil está entrando em um novo ciclo de prosperidade. Um ciclo que poderá ser mais intenso do que nos tempos do "milagre" da década de 70, com uma enorme vantagem: desta vez, o bolo não só está crescendo como mais bem distribuído.
Os desafios ainda são imensos, e tudo o que se fizer será pouco. Depois de um ano de governo, eu costumava dizer que o país tinha parado de piorar. Depois de dois anos, vi que tinha começado a melhorar. Com três anos de governo, será possível provar que está melhorando bastante. O que distingue o Brasil de hoje é que o país tem rumo, e o governo tem maturidade para persistir, quando a regra era ceder. O que faz a diferença é poder contar com o apoio da maioria da sociedade.

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