São Paulo, domingo, 29 de junho de 1997
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Academia em transe

SÉRGIO SANT'ANNA

A Academia Brasileira não tem sido, exatamente, uma casa de boa fama. No decorrer da sua história não foram raras as ocasiões em que conchavos mesquinhos negaram a entrada de verdadeiros escritores em favor de políticos, subliteratos e até de um membro da junta militar no pior período da ditadura.
Certa vez, a justiça foi feita por linhas tortas, quando Bernardo Élis, com obra respeitável, derrotou, na disputa por uma cadeira, Juscelino Kubitschek, cassado pelos militares até para vestir o fardão. Mas foram patéticos os esforços de Juscelino, que incluíram golpes baixos e humilhações, para chegar à Academia.
A Casa de Machado de Assis tem sido uma espécie de Congresso Nacional das Letras, cuja tolerância absorve de tudo, inclusive escritores maiores, como o próprio Machado, Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto. O que sempre me perguntei foi o que esse pessoal procurava lá. Uma glória duvidosa, companhia na velhice, direito ao mausoléu? E o pior é que tem sempre alguém azarando a sua "vaga".
Mais recentemente, pude constatar -como quem confere a idade- que havia acadêmicos amigos meus, escritores e gente do melhor quilate, como o saudosíssimo Antonio Callado e João Ubaldo Ribeiro. Mantenho boas relações até com a presidenta, Nélida Piñón, e com Lygia Fagundes Telles, prezando ambas em todos os sentidos.
Mas aonde quero chegar, estará perguntando o leitor? Na própria Academia? Eu, que não tenho nem terno e já criei um personagem acadêmico, no romance "Amazona", com o qual fui impiedoso? Então, negativo. Tudo, menos o beletrismo. O que não me impede de sugerir alguns nomes que reforçariam o sopro de renovação da casa, encarnado exemplarmente pelo João Ubaldo, que consegue, como Clark Kent, trocar, num passe de mágica, o fardão pelo uniforme de Superintelectual no "Casseta e Planeta".
Como a música popular ainda não está representada, me vem imediatamente à cabeça o Gilberto Gil, que, com sua articulação, é capaz de discursar sobre qualquer tema. E, se o Gil entrar, naturalmente levará o Caetano. Que lugar não ficará bom com o Caetano? E quem sabe o Jorge Mautner, com sua mente polifásica e estratosférica? Já pensaram nos discursos de posse?
Voltando à baianidade, eu poria lá o Waly Salomão, com sua inteligência e simpatia incandescentes. Se abrir mais uma vaga (duas pancadinhas na madeira), por que não o Geraldinho Carneiro, não apenas pela poesia, mas pelas madeixas, que ficariam uma graça com o fardão?
Para a ala feminina, a fim de animar, erotizar e espiritualizar as sessões, eu não hesitaria em indicar a Hilda Hilst.
Nessa academia -que aos poucos vai se tornando uma espécie de Colégio da Patafísica'-, vejo, imponente, representando o cinema e o jornalismo, o meu querido Arnaldo Jabor, cujo garbo no uniforme seria inigualável. Com a vantagem, ainda, de o Jabor poder psicografar indispensáveis mortos imortais, como Nelson Rodrigues e Glauber Rocha. Sim, academia em transe, e, já que valem os mortos, eu invocaria para uma cadeira o insubstituível Caio Fernando Abreu, que daria um finíssimo toque "dark" ao figurino e humor da casa.
E o teatro vivo? Sem dúvida o Zé Celso Martinez Corrêa, acompanhado do Antunes Filho para contrabalançar possíveis badernas no cerimonial, na encenação. Numa ponte entre ambos, Gerald Thomas.
Bem, e para essa academia, você se candidataria? -voltará a me perguntar o leitor. Olha, eu não mereço tanto.

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