São Paulo, segunda-feira, 30 de junho de 1997
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Tiro foi 'sorte' e ajudou a encerrar greve, diz general

RUI NOGUEIRA; WILLIAM FRANÇA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em Brasília, a 720 km de Belo Horizonte, onde na semana passada dois grupos de PMs se enfrentaram, um general-de-brigada acompanhou de perto o conflito.
"A turba percebeu a gravidade do que estava por vir. E, felizmente, ela tomou consciência coletiva de que tinha de suspender suas ações agressivas", avaliou. Sem o tiro, ele não sabe dizer como teria acabado a greve. Alberto Cardoso foi o elo entre o Palácio do Planalto e o Palácio da Liberdade.
Na visão do ministro, os atuais governadores estão sendo "zelosos para que suas polícias não sejam instrumento de prepotência". Mas ele entende que essas instituições precisam "de diretrizes bem claras" para evitar excessos.
Responsável pela segurança do presidente Fernando Henrique Cardoso, o ministro está mergulhado em outra tarefa especial: saber como a estrutura de transporte do Planalto pode (ou não) ser usada na campanha da reeleição. Tem uma certeza: a segurança de FHC será a mesma de hoje.
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida à Folha em seu gabinete, na noite de sexta:
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Folha - Que análise o senhor faz sobre o conflito em Minas?
Alberto Mendes Cardoso - Em qualquer organização hierarquizada, seja militar ou civil, você tem que fundamentalmente ter disciplina. O que aconteceu lá em Minas é que uma organização hierarquizada, militarizada, que adota regulamentos disciplinares muito semelhantes aos das Forças Armadas, sofreu uma ruptura da hierarquia por uma manifestação de total subversão da disciplina.
Houve uma assembléia da PM que começou gerando arranhões na hierarquia, pois havia lideranças informais desenvolvendo papéis que uma hierarquia deve ocupar, como a de ser canal das reivindicações justas. Quando a hierarquia atende isso, as lideranças informais ficam esvaziadas. As lideranças cresceram e decidiram não aceitar o que estava sendo oferecido. Depois, perderam o controle do grupo, que se transformou em turba e resultou naquilo.
Folha - O que fez com que o movimento recuasse?
Alberto Cardoso - No momento do tiro parece que houve um choque, e a turba percebeu a gravidade do que estava por vir. E, felizmente, tomou consciência coletiva de que tinha de suspender suas ações agressivas. Foi uma sorte muito grande. O tiro foi uma fatalidade, mas que impactou a consciência coletiva, fez com que ela voltasse à razão. Infelizmente, com o sacrifício daquele cabo.
Folha - Sem o tiro o sr. acha que as consequências seriam mais graves?
Alberto Cardoso - Na hipótese de aquilo continuar talvez houvesse a ocupação do prédio (palácio do governo). Na desocupação de um prédio sempre enfrentamos o risco de o trabalho se transformar em uma operação sangrenta.
Folha - Esses acontecimentos podem se repetir em outros Estados?
Alberto Cardoso - Em termos de possibilidade sim, mas em termos de probabilidade essa taxa é baixa. A insatisfação é quase generalizada. Mas em Minas houve o catalisador da insatisfação, que foi a isonomia dos oficiais com os delegados da Polícia Civil.
Nas organizações hierarquizadas é fundamental que haja o sentimento de que todos enfrentam as dificuldades em posição de igualdade. Em diversas ocasiões foi proposto aumento para as Forças Armadas de forma diferenciada. Isso não foi aceito pelos generais. Em Minas, houve um sentimento de desigualdade, que pode ter exacerbado os ânimos.
Folha - O sr. acha que os atuais governadores ainda não encontraram uma fórmula para conciliar força e ação policial com respeito aos direitos humanos?
Alberto Cardoso - É natural que, na história das sociedades, quando elas passam por um período de autoridade forte, haja a contrapartida. Vivemos essa contrapartida, e as novas autoridades têm muito cuidado em não parecer que estão sendo autoridades fortes. Isso é natural. Temos governadores zelosos para que suas polícias não sejam instrumento de prepotência. Mas as polícias precisam de diretrizes bem claras, em toda a escala hierárquica.
Folha - Essa "onda" de reivindicações em favor dos direitos humanos atrapalha a ação policial?
Alberto Cardoso - Não, de jeito nenhum. O que você chamou de onda tem de ser permanente, tão permanente que isso seja enraizado na consciência nacional e particularmente naqueles que detêm a administração dos meios de violência, as polícias e as Forças Armadas. Que os direitos humanos façam parte dos currículos -não uma matéria, mas uma área temática com várias matérias.
Folha - Unificação com Polícia Civil, desmilitarização, qual é o remédio para a PM?
Alberto Cardoso - As fontes de recrutamento têm de ser ampliadas, não ficar só nas camadas baixas. Mas para isso é preciso haver remuneração mais atraente. Ampliando o universo de seleção, você pode escolher entre pessoas com mais consciência do valor da vida, com maior grau de respeito e defesa dos direitos de terceiros.
Folha - Como estão as discussões sobre a implantação do Ministério da Defesa?
Alberto Cardoso -Alguns especialistas defendem, nos jornais, a idéia de que a criação do Ministério da Defesa sirva para marcar bem a subordinação das Forças Armadas ao poder civil. No Brasil de hoje isso não é preciso. Nunca tivemos um período em que a subordinação estivesse tão evidente.
Folha - Dê exemplos.
Alberto Cardoso - As Forças Armadas estão sendo exemplares em seu comportamento diante de dificuldades orçamentárias. Outro momento que poderia ter se transformado em crise e isso não aconteceu: a indenização nos casos Lamarca e Marighella. No impeachment (de Fernando Collor) as Forças Armadas mantiveram-se na maior tranquilidade. Não há justificativa para querer o Ministério da Defesa. Agora, em termos mundiais, a tendência é essa.
Folha - Mas essa tendência é boa para o Brasil?
Alberto Cardoso - Posso citar algumas vantagens. Facilitaria a otimização dos recursos orçamentários, evitaria duplicidade em algumas áreas e facilitaria a adoção de uma doutrina que permitisse realmente a unidade de emprego das Forças Armadas.
Outra vantagem é o fim do duplo papel de um ministro militar, que hoje é comandante da força e ministro político ao mesmo tempo. Esse papel duplo muitas vezes o coloca num conflito íntimo: o de reivindicar para a força e também entender as necessidades políticas do governo como um todo.
Folha - Quais seriam os aspectos negativos?
Alberto Cardoso - Vou citar um aspecto que traria dificuldades: o controle do tráfego aéreo. Nós temos o DAC (Departamento de Aviação Civil), e o Brasil é um dos poucos países que está estruturado dessa forma -a administração do tráfego civil no Ministério da Aeronáutica. O DAC faz o controle do tráfego militar e civil, tem cerca de 12 mil pessoas trabalhando nisso, das quais cerca de 10 mil são militares da Aeronáutica.
No Ministério da Defesa haveria a força naval, a terrestre e a aérea. Aérea não é aeronáutica, e se pergunta: onde fica o DAC? Fica dependurado no Ministério da Defesa ou deixa tudo e vai para o Ministério dos Transportes? E os 10 mil?
Folha - Com o presidente eventual candidato à reeleição, o sr. é o responsável pela segurança dele. Como está se preparando para a discussão sobre o uso da máquina durante a campanha?
Alberto Cardoso - Uma coisa é preciso que fique clara: quanto à segurança não haverá nenhuma diferença. Se ele for candidato, nós teremos um presidente que, antes de tudo, é presidente e tem de ser mantido vivo e respeitado. Então, a segurança será a mesma.
Sobre o problema específico da nossa área, o transporte do presidente, estamos estudando como se faz isso em vários países. Uso da máquina para nós é isso, uso da máquina aérea, de transporte. O resto não sei, mas a Lei Eleitoral não vai nos pegar de surpresa.

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