São Paulo, terça-feira, 1 de julho de 1997
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Telebrás, rapadura é doce, mas não é mole não

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A escandalosa decisão da Telebrás (Telecomunicações Brasileiras S/A) de lesar 692 mil pessoas em pelo menos R$ 1.232,00 cada, na compra de telefones pelo plano de expansão quitado até agosto de 1996, foi discutida com revolta dentro do elevador. Como o elevador era em São Paulo, a revolta era contra a Telesp (Telecomunicações de São Paulo).
Dava dó ouvir a queixa dessa gente que compra planos de expansão -que nunca antes tinha ouvido falar em "ações" e que esperava ansiosamente receber os R$ 2.349,00 devidos pela Telesp a quem roeu o osso para comprar a tal da linha (por pouco mais de mil reais) do plano cujo telefone nem sequer foi instalado ainda.
A Telebrás (e, portanto, a Telesp) resolveu descumprir os contratos com os assinantes, pagando em dinheiro (R$ 1.177,63), o que deveria ser pago em ações (no valor de R$ 2.349,00). O prejuízo dos assinantes é de 52,4%. A Telebrás justifica-se usando o subterfúgio de se apoiar na Lei das Sociedades Anônimas.
Dentro do elevador, um pedreiro anônimo contava para o ascensorista como juntara real por real para adquirir a tal linha. Agora, com o dinheiro das ações, compraria blocos de cimento para terminar a construção de sua casa provavelmente cinza e pequena, na muito provável periferia.
-Eu juntei foi real por real pra comprar essa m. Mas eu vou no Procon, já me disseram. Comigo isso não vai ficar assim não. Esses fdp estão pensando o quê? Rapadura é doce, mas não é mole não.
A frase filosófica vinha em óbvio sotaque nordestino e dava dó e desânimo. Afinal, já se sabe por antecipação o resultado da crença vã do pedreiro na burocracia do Procon, do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) ou da ABDC (Associação Brasileira de Defesa do Contribuinte), amontoado de siglas inoperantes.
Se esses órgãos inspirassem qualquer respeito, escândalos como esse não aconteceriam assim em plena luz do dia e com tamanho descaramento. É claro que o pedreiro vai perder a causa, o dinheiro, o tempo. Dava dó a cara dele e a do ascensorista -bicho em extinção, dedicado à tarefa descartável de ficar sentado num banco a apertar botões em plena era digital.
A jogada da Telebrás foi, aliás, um golpe de mestre -a Telebrás deve saber que essa gente que compra planos de expansão rói o osso. Sabe que a grande maioria não vai recorrer, porque precisa da mixaria contada e recontada, não pode esperar que emperre por dez anos na Justiça um dinheiro necessário desde sempre.
Golpe de mestre: aproveitando a oportunidade, a Telesp estampou nos jornais desse último domingo um anúncio de propaganda, comunicando (a seus sócios anônimos?) que ganhou um prêmio de "melhor empresa de serviços públicos do Brasil no ano de 1996".
Entre os muitos atributos premiados, o texto citava com destaque os itens: "a) lucro líquido de 813 milhões de reais e b) receita operacional bruta de 4,8 bilhões de reais".
Não é muito nojento?

E-mailmfelinto@uol.com.br

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