São Paulo, terça-feira, 1 de julho de 1997
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Nesta data querida

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Durante o regime militar falou-se muito no crescimento do bolo. Era tema recorrente entre economistas e tecnocratas que serviam ao regime autoritário. Que o bolo cresceu, cresceu mesmo. Tivemos taxas recordes do produto nacional bruto, chegamos a ser a oitava economia mundial.
Tudo isso no papel, principalmente no papel timbrado dos órgãos oficiais. A realidade era outra -e foi a realidade miserável que derrubou o regime de 64.
Vem agora o presidente da República repetir o mesmo nhenhenhém: o bolo está crescendo. Tirante a euforia dos 12 ou 15 primeiros meses do Plano Real (houve euforia maior embora mais curta com o Plano Cruzado que elegeu FHC senador), o que vemos e sentimos na pele é o pânico pelo desemprego.
A inflação era um monstro que devorava salários -mas havia salários. Eram infames, davam para meio mês, às vezes menos, mas representavam alguma coisa. Hoje, o salário continua infame (em nome dessa infâmia o pessoal da polícia mineira quase promoveu um sequestro do governador) e fica infamérrimo quando deixa de existir para o trabalhador, o funcionário, o classe média em geral.
Comemorou-se o terceiro aniversário do real como uma hégira religiosa, mística. Os guarda-livros estão satisfeitos com a relativa estabilidade dos preços, com a radical estabilidade dos salários e a total instabilidade do emprego que enfraqueceu sindicatos e diminuiu as reivindicações sociais. É a equação da perversidade neoliberal, o baú da felicidade da globalização.
Em pouco mais de 12 países do mundo, a infra-estrutura estatal garante um mínimo de decência humana mesmo para aqueles que não se dão bem no mercado.
Globalizada, a economia das nações desenvolvidas continuará no mesmo patamar. E no mesmo patamar ficarão os países -como o Brasil- onde pia de ambulatório é leito hospitalar e professora em zona rural ganha US$ 12 por mês.

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