São Paulo, quarta-feira, 2 de julho de 1997
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Dêem chance à sustentabilidade

DANTE DE OLIVEIRA

A intransigência de algumas publicações e ONGs na defesa da intocabilidade do Pantanal Mato-grossense, provocada pela possibilidade de reativação da hidrovia Paraná-Paraguai, comove a todos os que aqui nasceram ou passaram a residir. Serve, porém, de balde de água fria sobre o debate e a execução de um projeto maior e mais atual que o mero discurso preservacionista.
Mato Grosso, detentor da biodiversidade não só pantaneira, como também amazônica e do cerrado, chama hoje a atenção do mundo por contar com propícia densidade demográfica. Isso permite experiências de sustentabilidade econômico-ambiental.
Não nos toca mais o denuncismo ecológico, filé dos filés do jornalismo pré-Rio-92. Estamos avançando sobre essa postura. Buscamos hoje propostas, soluções e recursos financeiros, intelectuais, humanos e científicos para promover o que o mundo inteiro ainda tem como desafio: alcançar melhores condições humanas e sociais, por meio do desenvolvimento condicionado à conservação ambiental. Mato Grosso, portanto, não admite mais tutelagens de quaisquer espécies.
Queremos, sim, parceiros para um projeto que, no fundo, representa a modernidade. Afinal, o momento é este. Somente agora surgem estudos com bases científicas sobre a bacia do Alto Paraguai, onde se inicia o Pantanal.
De acordo com o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, por exemplo, são despejadas nas cabeceiras do Pantanal 300 t/ano/km2 de sedimentos, levados, pelas chuvas, dos planaltos ocupados por grandes extensões agrícolas. Somente 13%, ou 40 t/ano/km2, deixam o Pantanal, conforme concluiu o estudo encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal.
Trata-se de assoreamento que provoca alterações profundas no ecossistema e na vida do pantaneiro -que tem na pecuária atividade econômica secular. Imensas áreas de pastos, antes cíclicas, hoje permanecem submersas durante todo o ano. Afirmar, assim, que a maior planície alagada do planeta se desertificará por conta de barcaças é inadmissível. Por ali, durante 200 anos, passaram navegações que jamais ameaçaram esse santuário.
É maior hoje o perigo provocado pela ocupação agrícola desordenada do cerrado mato-grossense, ditada nos anos 60/70 pelo regime militar. A única possibilidade de reversão é o ordenamento agrícola em sistemas de microbacias. O que, aliás, está sendo financiado pelo Banco Mundial, parceiro de Mato Grosso de primeira hora nesse projeto de desenvolvimento sustentado.
Não estamos, com isso, defendendo intransigentemente a hidrovia Paraná-Paraguai. O que se chama hidrovia, na verdade, é uma centenária via navegável natural. Nós a encaramos como um componente desse projeto maior.
São ao todo quatro hidrovias em implantação. Juntas, farão despencar à metade o custo do escoamento, hoje fator impeditivo de concorrência para a produção agrícola mato-grossense.
Quase R$ 200 milhões/ano são despejados em fretes rodoviários, numa injusta transferência de renda do Centro-Oeste para o Sul. Além disso, não existem ainda estudos definitivos sobre impactos ambientais a serem causados pela hidrovia Paraná-Paraguai.
É necessária autonomia para discutir a ocupação sustentada de Mato Grosso. Sem imposições de interesses sulistas que, embora tendo transferido valorosa força de trabalho rural para o Centro-Oeste, tanto prejudicaram o meio ambiente em curto período de tempo.
Não somos irresponsáveis. Não vamos cometer os mesmos erros que cometeram os países onde estão sediadas as ONGs, que destruíram rios como o Mississippi e o Tennessee, os Everglades e a lagoa de Minamata. Soa-nos como manifestação de complexo de culpa querer impor o preservacionismo das ONGs internacionais ao Pantanal.
A proposta mato-grossense de aproveitamento da via navegável é clara. Como 95% dos empecilhos de navegabilidade no Pantanal estão num trecho de 150 km, a partir de Cáceres (MT), o terminal portuário seria transferido para a localidade de Morrinhos, driblando os impactos ambientais mais sérios.
Além disso, a defesa do Estado é para que entre Cáceres e Corumbá (MS) trafeguem apenas chatas de até 500 toneladas. A partir de Corumbá, embarcações de 2.000 toneladas seriam liberadas. Também defendemos a regulamentação das cargas.
Despreocupem-se os que têm sombras de dúvida sobre o aproveitamento ecologicamente correto da via navegável Paraná-Paraguai. Retilinizações ou intervenções no leito do Paraguai nos limites do território mato-grossense serão de pronto rechaçadas.
É apenas necessário que se deixe fluir o debate sobre a via navegável, como parte de um projeto sério e único no mundo de desenvolvimento sustentado. Ou então o denuncismo permanecerá como principal mote dos ambientalistas, sem dar à prática chance de se estabelecer.

Dante Martins de Oliveira, 45, é governador (PSDB) de Mato Grosso.

E-mail: govmt@nutecnet.com.br

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