São Paulo, quinta-feira, 3 de julho de 1997
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FHC versus FHC

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Não sei se vocês se lembram de um filme, já antigo, do Woody Allen sobre um personagem chamado Zelig. A sua peculiaridade era possuir uma extrema flexibilidade e capacidade de adaptação. Sempre adotava as opiniões e atitudes compatíveis com o ambiente em que estava ou com a pessoa que encontrava. O tempo foi passando e o personagem acabou desenvolvendo a faculdade de modificar até a sua aparência física, de ficar literalmente parecido com o interlocutor do momento.
Bem. Todo político sofre um pouco desse "efeito Zelig". Afinal, cada interlocutor é um eleitor em potencial, cujas opiniões, preferências e preconceitos precisam ser respeitados e, sempre que possível, alimentados e confirmados.
Mas lembrei-me do efeito Zelig por causa do atual presidente da República e do seu discurso na reunião de anteontem com empresários na Confederação Nacional da Indústria.
Como se sabe, os empresários foram a Brasília cobrar do Executivo e do Congresso mais empenho nas reformas constitucionais. Estabeleceu-se imediatamente um jogo de empurra. O presidente da República alega que a culpa pela lentidão das reformas é do Congresso. Os parlamentares respondem que falta interesse ao governo, especialmente na questão tributária, e que os próprios empresários não têm feito pressão suficiente.
O ponto alto e mais aplaudido do discurso de Fernando Henrique aos empresários foi a seguinte frase: "Chegou o momento em que, ou se fazem certas reformas ou eu não tenho mais recursos para avançar."
Era o que a platéia queria ouvir. O auditório quase veio abaixo. Mas é preciso assinalar que o discurso de anteontem, de endosso enfático à prioridade das reformas constitucionais, é um pouco suspeito. Apresenta diferenças nada sutis em relação ao que FHC vinha dizendo sobre o tema em entrevistas recentes, aparentemente esquecidas pela imprensa.
Por exemplo, em entrevista nas páginas amarelas da "Veja", de 9 de abril último, o presidente da República declarou que as reformas não são "uma coisa central". Vejam o que ele disse: "Desde o começo me bati com a equipe econômica para não dar tanta ênfase à necessidade das reformas constitucionais. Elas são importantes, mas dizer que o Real depende delas é mentira. As reformas não representam solução a curto prazo. (...) Mas por motivação ideológica (sic), a equipe econômica queria as reformas, insistia no assunto."
Reparem que a confissão é grave. Revela que o discurso que o governo vinha desenvolvendo desde 1993-94 em defesa das suas propostas de emenda constitucional era, vejam só, "mentira"!
Mais recentemente, há apenas duas semanas, Fernando Henrique Cardoso, em entrevista à "Globo News", voltara a apresentar avaliação semelhante. Perguntado por Lilian Witte Fibe se teria se arrependido de alguma coisa feita durante o seu mandato, FHC respondeu: "De ter dado exagerada ênfase às reformas."
Anteontem, diante dos empresários na CNI, o presidente da República preferiu voltar ao discurso anterior e proclamar a importância das reformas constitucionais. Pelos discursos empresariais que ouviu, concluiu que "o Brasil tem pressa" e garantiu que "é a mesma pressa que tem o presidente da República".
Com tantas oscilações, o cidadão comum fica, evidentemente, numa perplexidade de dar dó. Afinal, qual das opiniões de FHC é a verdadeira?
É difícil saber. Mas é melhor ficar com a revelação extraída pelo charme da Lilian do que com o discurso feito em resposta aos rugidos do Gerdau. Só um país como o Brasil, propenso (como diz o Osiris Lopes Filho) ao pensamento mágico, pode imaginar que reformas estruturais dependam primordialmente de emendas à Constituição.

E-mail: pnbjr@ibm.net

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