São Paulo, sexta-feira, 4 de julho de 1997
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Pais e filhos

LUIZ CAVERSAN

Rio de Janeiro - Em seu artigo de ontem nesta página, Otavio Frias Filho abordou de maneira extremamente original a questão familiar; falou também do amor, do individualismo e da arte de estar junto a alguém.
Temas veramente fora de moda, nesses tempos da busca frenética pela onisciência do indivíduo e pela conquista de todos os ápices, sempre ao sabor da neodesculpa da globalização e de acordo com os cânones da rediviva lei de Gérson, aquela segundo a qual deve-se levar vantagem em tudo.
É muito interessante como o núcleo familiar se contrapõe a todas as modernidades e suas implicações.
Nós, que nos pretendemos atualizados, não hesitamos em defender os sacrifícios impostos pela globalização em nome dos aprimoramentos supostamente daí advindos.
Em nossas análises frias e calculistas, muitas vezes não pestanejamos, por exemplo, em aceitar que o desemprego pode ser um mal até que necessário, que salvar bancos é circunstancialmente mais importante que construir hospitais, que o peso da previdência é um estorvo no desenvolvimento da nação.
Tudo isso pode ser aceitável até que o núcleo familiar e sua inexorabilidade nos coloque de cara com intempéries da realidade que não "batem" com as tais análises frias e calculistas.
Como por exemplo ter o desemprego dentro de casa, a doença do ente querido no leito do quarto, a perda familiar colocando em risco nossa necessária capacidade produtiva. Sentir o frágil e o efêmero na pele.
Onde estão os cálculos, as regras, quando até a perda do bicho querido de estimação nos coloca frente a frente com a face madrasta da vida?
O desemprego do outro, a perda e o sofrimento na casa do vizinho são sempre suportáveis e nos exigem, no máximo, solidariedade.
Mas quando a fragilidade da vida desanuvia todas as suas fantasias e nos deixa nus diante da platéia da modernidade tacanha que vivemos, aí os argumentos argutos desaparecem.
A não ser que sejamos economistas...

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