São Paulo, sexta-feira, 4 de julho de 1997
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O já-já-já

JOSÉ SARNEY

"Nada de novo debaixo do sol", está na Bíblia. Duas palavras são constantes ao longo da história brasileira: "Reformas" e "Já". O já mais célebre e de maiores consequências foi o de d. Pedro 2º, na maioridade, quando lhe indagaram, em nome do Congresso, se ele aceitava ser logo imperador, rapaz ainda. Sua resposta foi concisa. "Já".
Esse "já" começou a fazer parte de nossa vida. Tudo tem de ser para "já".
Há mais de cem anos, Nabuco de Araújo proferia o seu famoso discurso no qual pedia as "reformas", porque se estas não viessem "já", teríamos a revolução. É de 1869 o Manifesto Liberal que pregava a "modernidade". É bom e necessário reproduzir as palavras finais do documento: "Não há que hesitar na escolha: a reforma! E o país será salvo".
Um pouco mais à frente, diz Tobias Monteiro, sobre esse assunto, analisando o ministério Dantas: "'O Paiz' (jornal) reproduzia a opinião de que se o governo não fizesse a reforma, o povo a faria, e o 'Jornal do Comércio', interessado diretamente no respeito à propriedade, invocava o concurso da força pública (!) para decretar a reforma" ("Pesquisas e Depoimentos", pág. 104).
Já neste século se repete sempre a tese da "reforma" e do "já". Para lembrarmos alguns momentos, recordo João Goulart na sua pregação das "reformas de base", em 1963, com um novo slogan, "na lei ou na marra". Quando veio a luta das eleições diretas, o "já" apareceu de novo: "Diretas já".
Agora, mais uma vez, vem o apelo de salvação das reformas, como se o milagre aparecesse por meio da lei.
A grande verdade é que as elites brasileiras foram coniventes com a Constituição de 88. Muitos dos que hoje gritam para reformá-la foram aqueles que mais gritaram em favor dela. Fui uma voz isolada, dizendo que tornaria o país ingovernável, e muito paguei pela coragem de combatê-la.
Promover reformas necessárias é tarefa de governo. E o governo tem instrumentos, e o Congresso não negou nada. Votou as reformas essenciais na parte econômica, o que possibilitou o país inserir-se na onda da globalização: fim das restrições ao capital estrangeiro, cabotagem, petróleo, telecomunicações, gás, fundo de emergência, fim do ICM na exportação e tudo o mais.
Nada que o governo deseja tem sido negado pelo Congresso e o mais as medidas provisórias fazem.
Agora, o que ouvi, e o país também, é que a reforma mais necessária era a reeleição, porque o Brasil estava à mercê de uma incerteza. Era necessária para a sobrevivência do Real. O Congresso votou a reeleição.
Essa história de reforma é um recurso retórico de país subdesenvolvido e velharia. Ninguém vê os Estados Unidos, França, Alemanha discutindo que reforma é a salvação, embora estejam e estarão sempre reformando. Reformar é governar. Tarefa do dia-a-dia, rotina.
O importante é saber quais os pontos que estão emperrando a administração, com objetividade e sinceridade. O Congresso tem muitos defeitos, mas um ele não tem: negar o que o governo tem pedido.
Lutar por reformas necessárias, sim, mas passionalizá-las como bandeira empresarial ou de boca-de-urna é retrocesso.

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