São Paulo, quarta-feira, 9 de julho de 1997
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EUA vencem a 'guerra interna' da Otan

MARCELO MUSA CAVALLARI
DA REDAÇÃO

Em termos puramente militares pode parecer idiotice: depois de vencer a Guerra Fria -para a qual foi criada- sem disparar nenhum tiro, a Organização do Tratado do Atlântico Norte se recusa a ocupar o território conquistado.
O resultado da reunião de Madri, no entanto, é uma vitória americana em uma disputa dentro da Otan mais importante do que a velha rivalidade com a Rússia.
Os EUA só admitiram, como haviam avisado que iriam fazer, a entrada de três novos países do antigo bloco soviético na organização. Romênia e Eslovênia ficam fora, por enquanto.
O ex-presidente da Polônia Lech Walesa defendeu, no início da semana, a posição americana alegando custos muito altos e provocação desnecessária à Rússia se a expansão fosse maior.
Foram os argumentos mais ou menos oficiais. Mas os EUA devem ter tido que usar mais de seu peso para convencer os parceiros europeus -principalmente a França- a não aceitar nem sequer um compromisso para 1999 com Eslovênia, Romênia e os países bálticos.
A expansão tem custos, é claro. Com a entrada dos três países, o território da Otan vai aumentar cerca de 14%. Mas a minúscula Eslovênia, com 20,2 mil km² e 1,9 milhões de habitantes (menor que o Estado de Sergipe) não faria grande diferença.
Não irritar demais os russos justificaria deixar a Romênia de fora. Há tensões territoriais com a Moldova, país que fazia parte da URSS.
A Otan pode não estar disposta a prometer ajudar um país em caso de invasão -como obriga o Tratado- se a possibilidade de invasão for muito real. Mas a Polônia -que foi convidada a aderir- faz fronteira direta com território russo: Kalinigrado.
O fator principal em disputa foi a geopolítica interna da Otan. A França luta por uma Otan cada vez mais européia. Os EUA resistem.
Paris tem uma reivindicação, deixada de lado em Madri para não piorar as coisas: de que o comando sul da organização fique com um europeu.
Sempre foi de um americano, e os EUA não abrem mão dele. O comando sul é o responsável pela maior frota naval dos EUA fora do próprio território e da Ásia.
A França lutava por uma europeização maior da Otan levando a organização mais para o sul e mais para o Leste da Europa.
Os EUA preferiram países que, após o fim do comunismo, gravitam geopoliticamente em torno da Alemanha, aliado mais confiável. Além disso, Polônia, Hungria e República Tcheca quiseram entrar na Otan mais por temor da Rússia. Eslovênia e Romênia querem mais ser parte da Europa.
É claro que há argumentos fortes contra Eslovênia e Romênia. Um dos objetivos expressos da Otan é garantir a estabilidade interna e de fronteiras dos países membros.
Mas há disputas territoriais entre Turquia e Grécia, e eles não saem da Otan. Aliás, pertencerem ambos à Otan é o motivo principal pelo qual não entram em guerra.
A democracia romena pode não ser muito estável. Mas a Grécia esteve em franca ditadura de 67 a 74 e continuou na organização sem que os coronéis que a governavam fossem incomodados.
O fato é que a expansão é um projeto americano. Foi alardeado por Clinton em 94 e tido, à época, na Europa, como pura retórica. Para o entourage de Clinton, ao contrário, a expansão é um dos cernes de sua política externa. Ela serve ao projeto de aumento do poder dos EUA na Europa, em detrimento de um maior peso da União Européia em questões de segurança e geopolítica.
E os EUA, por enquanto, não têm motivo para se apressar.

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