São Paulo, quinta-feira, 10 de julho de 1997
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Conjuntura preocupante

HUMBERTO LUCENA

Desde que foi lançado o Plano Real, demos total apoio à iniciativa, convencidos de que era fundamental o combate à inflação avassaladora, que diminuía com incrível rapidez nossa credibilidade, tanto interna quanto externa. Uma superinflação que nos colocava em desconfortável isolamento, justamente quando se assistia à crescente internacionalização produtiva e financeira, sobretudo com a formação de blocos econômicos em todos os continentes.
Pois bem, passados dois anos e meio do mandato do atual presidente da República, o saldo é, sem dúvida, positivo. A inflação veio abaixo, declinando dos 50% mensais para cerca de 2%, em média, mostrando o acerto das medidas governamentais, não obstante as dificuldades criadas para o desempenho da economia, em particular as decorrentes das fortes restrições ao crédito, que quase nos levaram a uma indesejada recessão.
Em suma, houve grandes resultados no campo econômico. Incontestavelmente, o poder aquisitivo da maioria da população aumentou. O valor da cesta básica vem sendo regularmente preservado, ajudando a melhorar as condições de sobrevivência desse setor.
Mas, ao mesmo tempo, enfrentamos sérias frustrações no campo social. A classe média, por exemplo, continua a ser castigada, tendo que enfrentar os preços praticamente sem controle dos serviços, com os salários praticamente congelados.
Com os juros mantidos em patamar muito alto, para o financiamento diário dos encargos de nosso endividamento interno e externo e para atrair capitais externos, bem como manter o consumo interno sem perspectivas de um maior crescimento, acentuou-se a taxa de desemprego, já bastante impactada pela crescente automação industrial, mundialmente instalada no setor.
Tanto que, em recente entrevista, Celso Furtado afirmou que a aceleração do desemprego, inclusive por causa da modernização industrial, no caso brasileiro, estava estimulando o movimento dos sem-terra, e o novo caminho seria a volta ao campo, com a reivindicação de um trato de terra para trabalhar. Destacando, nesse ponto, que o Brasil tinha a sorte de ser um país ainda com possibilidade de gerar empregos na agricultura.
Isso implica a decisão política de realizar, já, uma reforma agrária de cunho democrático, ao lado de uma política agrícola que corresponda de fato à necessidade de voltar a prestigiar o investimento, como vetor indispensável para a ampliação de nosso mercado de trabalho.
Na mesma linha de dificuldades, mas com o agravante de constituir um problema estrutural e crônico, está a questão dos vários Brasis, que representam a nossa diversificação regional.
Para a harmonização deles, faz-se mister uma política altamente diferenciada, pelo menos nos setores financeiro e tributário, de modo que as regiões mais carentes, sobretudo o Nordeste, possam encontrar formas de reverter sua defasagem, em termos de desenvolvimento e qualidade de vida.
Portanto, cabe ao presidente Fernando Henrique Cardoso reorientar sua política econômica, conduzindo-a por um caminho de mais conteúdo social. A exemplo de iniciativas saudáveis já em curso, como o melhoramento do apoio creditício e tributário às micro e pequenas empresas. E outras, como as do programa Comunidade Solitária, que, contudo, apesar de ser prioritário, ainda se mantém limitado, sem atender em toda a sua plenitude os setores mais carentes da sociedade.
Pois é incontestável que, apesar de sermos a décima economia mundial, ostentamos os piores índices de distribuição de renda do Terceiro Mundo, sem mencionar a nossa renda "per capita" e nosso salário mínimo, que nos deixam muito mal diante do mundo civilizado.
Assim, é preciso que se analisem as causas da manutenção desse quadro. Se estão apenas na atual política de cunho neoliberal, conjugada à ação de outros fatores de dimensão universal, como é o caso da crescente modernização tecnológica, ou se a isso devem-se agregar aspectos negativos internos de relevância, que influenciam fortemente o desenrolar dos acontecimentos, no âmbito de nossa política interna.
Fatores que têm, por exemplo, impedido o apressamento das reformas fundamentais para a solução dos nossos principais problemas político-administrativos e que eliminariam o grande nó de nossa estabilização, que é a situação falimentar do setor público.

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