São Paulo, sexta-feira, 11 de julho de 1997
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Livro relata o surgimento de "Jornada Tétrica"

EDOUARD WAINTROP
DO "LIBÉRATION", EM LONG ISLAND

"Todo escritor sabe que o relâmpago repentino de inspiração é uma coisa que não existe." É assim que Budd Schulberg explica que precisou de alguns anos de contato com a região de Everglades, na Flórida, para poder criar "Jornada Tétrica".
O roteiro, depois transformado em filme dirigido por Nicholas Ray, é uma história de defesa da natureza e caça de passarinhos e também a saga do conflito entre duas Américas: uma legalista e esclarecida, a outra, fora-da-lei e encerrada em sua rejeição ao progresso.
Schulberg conheceu essa segunda América num fim de tarde, depois de passar o dia no rio. Ao entrar, exausto, numa espelunca com teto de chapas onduladas, topou com vários habitantes dos pântanos, seres humanos estranhos, miseráveis, com aspecto ameaçador de ladrões, mas donos do lugar.
"Eles convivem com formigas vermelhas, mosquitos e cobras. Não têm documentos para provar que as terras lhes pertencem", escreveu Schulberg, que foi agredido por um dos homens, mas salvo por outro, um certo Budd Kirk, de quem Schulberg se lembrou quando criou seu roteiro.
Entre o relato e o texto de "Jornada Tétrica", há um capítulo que evoca as condições em que o filme foi feito. Está escrito: "Quando Nicholas Ray teve que retirar-se por razões de saúde...".
Nada além disso para descrever uma filmagem que se deu em péssimas condições. Sabe-se, de outras fontes, que Ray, cineasta de "Johnny Guitar" e um dos preferidos da crítica francesa, foi expulso três semanas antes do fim das filmagens pelo roteirista, que era também produtor.
O filme foi concluído por seu assistente, Charles Maguire, com a colaboração do próprio Schulberg.
Budd Schulberg conta que sua associação com Ray foi desastrosa desde o começo. Havia escolhido Ray para dirigir o filme porque gostava do homem que conhecera quatro anos antes.
"Infelizmente, quando as filmagens começaram, Nick estava totalmente mudado. Vivia uma relação amorosa difícil, que o estava destruindo."
Sob o título de "Dialogue en Noir e Blanc", a segunda parte do livro trata das relações tumultuadas entre brancos e negros nos EUA na década de 60, em dois textos. No primeiro, "L'Atelier Décriture de Watts", Schulberg conta como, depois da sangrenta revolta do gueto negro de Los Angeles, Watts, em 1965, resolveu fazer alguma coisa concreta pelos jovens do bairro.
Schulberg saiu de Beverly Hills e foi a Watts, um gueto mergulhado na amargura e no sangue. Frequentou bares, enfrentou olhares de ódio, testemunhou a miséria cotidiana, as batidas policiais violentas, a falta de hospitais e escolas. E montou um ateliê de redação, o Watts Writers Workshop.
Schulberg passou dois anos com seus escritores de Watts. Hoje os efeitos de sua iniciativa podem ser medidos com o lançamento de "When the 90's Came", um disco dos Watts Prophets, poetas do gueto de Los Angeles que constroem sua obra há 30 anos e cuja influência sobre a música negra americana tem sido grande, de Marvin Gaye a Coolio, de James Brown a Massive Attack.
Father Amde Hamilton, Otis O'Solomon Smith e Richard Anthony Dedeaux começaram a fazer o "pré-rap" no ateliê de Schulberg. Nos anos 70, passaram sete anos na lista dos "inimigos dos EUA" do FBI. O ateliê só sobreviveu devido à ajuda dos amigos de Schulberg, de Ira Gershwin a Richard Burton e James Baldwin.
O livro se encerra com uma conversa entre Schulberg e o escritor negro James Baldwin, justamente.
Na época (ainda 1965), o separatismo afro-americano se manifestava com força, especialmente por meio da Nação do Islã, organização fundada por Elijah Muhammad (e hoje dirigida por Louis Farrakhan) que via os brancos como criaturas do diabo.
Schulberg criticou os "black muslims" e aqueles que, como James Baldwin, não os combatiam, por repudiar a integração racial.
Baldwin lhe respondeu que fazia séculos que os escravos e seus descendentes estavam prontos para a integração, mas que ela ainda não havia acontecido. Logo, a impaciência dos negros era natural.

Livro: "La Forêt Interdit et Dialogue Noir et Blanc avec James Baldwin"
Autor: Budd Schulberg
Lançamento: Rivages-Ecrits Noir
Quanto: R$ 23, em média (225 págs.)

Tradução Clara Allain

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