São Paulo, sexta-feira, 11 de julho de 1997
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'Streisand: A Biography' louva a artista de aço

DANIEL MENDELSON
ESPECIAL PARA O "NYT BOOK REVIEW"

Há pessoas que têm sorte! Mesmo que seja só para se defender dos detalhes espalhafatosos que fazem com que as biografias não autorizadas sejam tão próximas da realidade quanto o sabor de queijo nos salgadinhos, a maior parte das celebridades, mais cedo ou mais tarde, acaba se dando ao trabalho de escrever uma autobiografia.
Mas esse não é o caso de Barbra Streisand. Talvez porque seu trabalho tenha sido tão implacavelmente autobiográfico, a artista nunca precisou escrever a sua história e, depois da publicação do novo livro de Anne Edwards, nunca mais precisará fazê-lo.
Com a mesma admiração pelo tema que a própria Barbra Streisand tem por si mesma, "Streisand: A Biography" (Streisand: Uma Biografia) levanta apenas uma pergunta: "Por que a atriz não autorizou a biografia?".
Barbra Streisand, nascida em 1942, cresceu sendo uma menina feia e infeliz, orfã de pai, cuja mãe gostava mais de sua meia-irmã.
Aos 19 anos, a garota estranha, com um narigão que teimava em não consertar, já era um artista dos cenários da Broadway.
"Ela era um sucesso e tanto", escreve Anne Edwards, em um dos inumeráveis elogios que aparecem no livro e que fazem pensar na possibilidade de a autora ter sido financiada pela Fundação Barbra Streisand, "para uma garota do Brooklyn a quem todos consideravam muito sem graça."
Mas, apesar de Anne Edwards ser uma eficiente cronista da brilhante primeira parte da carreira de Barbra Streisand, para relatar a segunda parte seria necessário ter um talento excepcional.
Em lugar de servir para superar sua infância infeliz, o sucesso extraordinário de Barbra Streisand parece tê-la levado a uma desintegração própria de Calígula: solicitações cada vez maiores de controle total, exigências de reconhecimento que beiram a infantilidade e comportamento inadequado nas filmagens.
Embora ninguém questione seu talento genuíno para a comédia ou a personalidade e a beleza de sua voz, o trabalho cada vez mais auto-indulgente e banal da atriz nas últimas duas décadas fazem com que nos perguntemos se, na verdade, o fato de ela ter controle total sobre a sua carreira lhe acrescentou alguma coisa em termos artísticos.
Apesar da crença profundamente arraigada da atriz de que o cinema é uma área da psicanálise, não fica muito claro que o fato de se representar a si mesma compulsivamente (como, por exemplo, no seu último filme, "O Espelho Tem Duas Faces", que de tão autobiográfico chega a ser grotesco) seja o zênite da audácia.
Até durante suas apresentações como cantora, nais quais a espontaneidade poderia ser vivificante, Barbra Streisand não deixa nada ao acaso: durante seus concertos de 94, até mesmo o discurso foi lido em um teleprompter.
O resultado é que todas essas apresentações triunfais e embalsamadas têm toda a espontaneidade e o encanto do funeral de Deng Xiaoping.
Nos últimos tempos, Barbra Streisand vem astutamente tentando ser criticada apresentando-se como vítima -de que outra forma poderia fazê-lo?-, uma feminista pioneira que corajosamente defendeu a "energia feminina coletiva" em um setor dominado pelos homens.
Mas não é necessário ser Robert Bly para perceber que esses apertos de mão em público e suas chamadas à "irmandade" entre suas colegas não enganam ninguém.
Principalmente se considerarmos as evidências que existem sobre o extraordinário controle que ela sempre assumiu em praticamente todas as filmagens de que participou e em que utilizou esse poder para (entre outras coisas) aparar ou cortar cenas em que apareciam algumas das suas rivais -com belezas, digamos, mais tradicionais do que a dela.
Um biógrafo menos deslumbrado poderia ter explorado essas e outras contradições de uma forma mais ampla, em lugar de exclamar com fervor bíblico, como o faz Anne Edwards em determinado momento: "Ambiguidade, teu nome é Barbra!".
Se alguém estiver procurando um rótulo para colocar em tudo isso, a primeira palavra que aparecerá na sua frente será "narcisismo". Sem dúvida, "megalomania" é uma palavra que também pode ser levada em consideração.
Que outras razões poderiam explicar o que essa biografia -mesmo sem perceber- deixa claro?
Trata-se da história de uma pessoa de extraordinário talento com uma falta total de bom senso, com uma ambição a toda prova cristalizada em autoglorificação e com um egocentrismo absoluto disfarçado com o sugestivo nome de autoconhecimento.
Até mesmo o espelho enevoado, que com tão boa vontade Anne Edwards coloca na frente da protagonista de seu livro, não consegue disfarçar uma imagem que acaba sendo um pouco assustadora. A voz pode ser de veludo, mas o resto, sem dúvida, é duro como aço.

Livro: Streisand: A Biography
Autor: Anne Edwards
Lançamento: Little, Brown & Company
Quanto: US$ 24,95 (600 págs.)

Tradução Maria Carbajal

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