São Paulo, sexta-feira, 11 de julho de 1997
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Volpi

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Catorze quadros inéditos de Alfredo Volpi (1896-1988), um dos mais significativos pintores do país, estão saindo da sombra em que se refugiaram durante pelo menos três décadas.
Apenas um retrata as "bandeirinhas" que popularizaram o artista de origem italiana. Outros mostram santas, paisagens suburbanas, cenas litorâneas e casarios.
Em conjunto, compõem um painel muito representativo do extenso caminho que Volpi trilhou desde meados do século, quando se pôs a reproduzir os arrabaldes paulistanos.
Dão uma idéia de como um operário de hábitos simples e arredio às teorizações, que não dispensava o cigarro de palha e nunca completou o curso primário, seguiu os mesmos passos dos inventores da arte moderna.
Abandonou lentamente a preocupação com uma pintura figurativa, que representasse a realidade exterior e contasse uma história, para gerar telas quase abstratas, onde o importante é apenas o pictórico, a combinação de cores, linhas e formas geométricas.
Os 14 quadros -que a Folha torna públicos pela primeira vez nesta página e na seguinte- escondiam-se em residências do Rio e São Paulo.
Os mais antigos datam dos anos 40. Os mais novos, dos 60. Foram descobertos pela comissão de críticos, marchands e colecionadores que, desde setembro de 95, cataloga a produção de Volpi.
O grupo de 12 especialistas calcula que o artista concebeu aproximadamente 3.000 obras em mais de sete décadas de carreira.
A meta inicial é arrolar as pinturas a óleo e a têmpera, que têm como suporte o cartão, o papel, a tela ou a madeira. Depois, a comissão -formalmente, uma sociedade sem fins lucrativos- se debruçará sobre desenhos e afrescos.
Estima-se que os óleos e as têmperas somem cerca de 2.500 quadros. Destes, os peritos já examinaram, fotografaram e constataram a autenticidade de 1.700. Pretendem classificar o que falta até agosto para, então, reunir tudo em um par de CD-ROMs.
"Queremos lançá-los no final deste ano ou no início do próximo", adianta Domingos Giobbi, presidente da comissão.
Os CD-ROMs constituirão o primeiro catálogo completo dos óleos e têmperas de Volpi. Na prática, servirão para orientar o mercado, ainda suscetível às falsificações.
Os donos da maioria dos 1.700 quadros, sabendo da catalogação, concordaram em deixá-los temporariamente no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM).
Foi lá que os especialistas analisaram obra por obra. Raras vezes precisaram se deslocar à residência dos proprietários.
Somente o trabalho de catalogação custará R$ 442 mil. Os experts conseguiram o dinheiro por meio de um único patrocinador, a Logos Engenharia, que se beneficiou da lei Mendonça e tem como sócio Ladi Biezus, colecionador de Volpi e integrante da comissão. O custo dos CD-ROMs ainda é indefinido.
No lote de 1.700 obras que passaram pelo crivo dos peritos, há centenas de inéditas.
"Não sabemos precisar quantas", diz o marchand Paulo Kuczynski, membro da comissão. "Mas, certamente, entre as novidades, os 14 quadros são os que nos causaram mais surpresa."
Kuczynski os define como "grandiosos". "Pelo valor artístico, mereceriam destaque em qualquer retrospectiva de Volpi."
Não participaram, porém, de nenhuma das que já ocorreram no país. Também não integraram mostras menores nem constam de livros ou catálogos sobre o pintor. "Pouquíssimas pessoas os conhecem", afirma o marchand.
A comissão -que abriga um dos principais críticos brasileiros de Volpi (Olívio Tavares de Araújo)- não revela quem são (ou foram) os proprietários dos quadros.
Informa apenas que, entre os donos, figuram um banqueiro, um empresário do setor turístico e um industrial da área metalúrgica.
O próprio Volpi manifestou o desejo de ter sua obra catalogada. Em 1978, passou uma procuração para três colecionadores (Biezus, José Basano Netto e Marco Antonio Mastrobuono), autorizando-os a inventariar o que pintou.
Um é o retrato da estudante de pintura Gilda Vieira, que Volpi concebeu no início dos anos 60.
Casado com Benedita da Conceição (que, curiosamente, preferia usar o nome de Judith), o artista costumava cultivar paixões platônicas. Acreditava-se que retratara Gilda, um dos amores mais duradouros, somente uma vez.
A catalogação demoliu a crença. Trouxe à tona uma tela desconhecida, de tons vermelhos e sem preocupações realistas, em que a moça segura uma flor branca.
O outro quadro que chamou a atenção dos peritos é uma natureza-morta da década de 50. "Trata-se de uma tela absolutamente atípica", diz Biezus.
As naturezas-mortas de Volpi surgiram, em boa parte, nos anos 40 e são ainda bastante narrativas. A que a comissão achou espanta não só pela concisão, mas principalmente pela geometrização.

LEIA MAIS sobre Volpi à pág. 4-14

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