São Paulo, sexta-feira, 11 de julho de 1997
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Superstição impedia pintor de datar quadros

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Por superstição, Alfredo Volpi não colocou data em praticamente nenhum dos quadros que pintou.
A peculiaridade poderia trazer muitas dores de cabeça para a comissão que se encarrega de catalogar (e, portanto, de localizar no tempo) os trabalhos do artista.
"Poderia, mas não trouxe", diz o colecionador Ladi Biezus. "Como Volpi tinha uma produção de incrível coerência plástica, em que uma fase decorria naturalmente da outra, é possível situar as décadas dos quadros por analogia."
Biezus explica que, repetindo o caminho dos modernistas, o pintor "partiu do complexo para o simples". Buscou sempre a concisão, a síntese.
Natural de Lucca (Itália), desembarcou no Brasil em 1897, com menos de dois anos. Aos 15, se tornou decorador de paredes para sobreviver e acabou encontrando uma vocação.
Ornamentava os casarões da avenida Paulista e do Ipiranga, em São Paulo, conforme o gosto da época. Preenchia cômodos internos com florões, frisos e painéis que imitavam revestimentos.
O cotidiano entre tintas e pincéis lhe deu a convicção de que, nas horas vagas, poderia se dedicar àquilo que chamava de "minha pintura". A primeira tela nasceu em 1914.
Na década de 30, o jovem artista se aproximou do Santa Helena, grupo de pintores que comungava mais a origem humilde do que as concepções estéticas.
Com o ex-jogador de futebol Francisco Rebolo, o açougueiro Fúlvio Pennachi e o ex-ferroviário Clóvis Graciano, dividia sessões de modelo vivo e perambulava pela cidade reproduzindo paisagens suburbanas, sempre a óleo.
Nos anos 40, por frequentar o município litorâneo de Itanhaém (SP), onde sua mulher se recuperava de uma cirurgia pulmonar, descobriu as marinhas.
Os cenários urbanos ou bucólicos lhe despertaram, de início, o impulso de retratá-los realisticamente. Era a fase que Biezus resume como "complexa".
Com o tempo, porém, Volpi se apaixonou pela parcimônia e tratou de "limpar" os quadros.
Primeiro, tirou das paisagens as figuras humanas. Em seguida, suprimiu os elementos da natureza (árvores, animais, flores) e se fixou na arquitetura das casas.
Também aboliu a perspectiva clássica, os pontos de fuga, e recorreu às cores para dar a idéia de profundidade. Pouco a pouco, como se usasse uma lente "zoom", foi aproximando os casarios de quem observa os quadros.
Até que, no fim da década de 50, por influência do concretismo, radicalizou a simplificação e arrancou os telhados das casas. Eliminando os detalhes de portas e janelas, converteu as fachadas em formas puramente geométricas.
Nessa altura, já não pintava a óleo. Valia-se apenas da têmpera (pigmento em pó associado a uma emulsão de verniz, água e gema de ovo), que lhe possibilitava trabalhar com cores mais vivas.
As cinco obras inéditas à esquerda permitem acompanhar a transformação gradativa do olhar de Volpi. Um processo que o próprio artista costumava definir singelamente: "No começo, meus quadros eram assunto. Depois, viraram pintura".
Para Biezus, Volpi "não procurou nada, simplesmente achou". "Criou sem intencionalidade. Construiu menos por força do ego e mais do espírito."
Talvez o pintor não concordasse. Sempre que pôde, deixou claro que encarava a pintura como um ofício e um problema formal "a resolver".

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