São Paulo, domingo, 13 de julho de 1997
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Chegam duas bandas

JANIO DE FREITAS

Sensato e de boa-fé, você é a pessoa indicada para encontrar sua própria resposta a uma pergunta desprovida de sensatez e de boa-fé: como e por que Sérgio Motta & cia. ltda. fixaram em modestíssimos R$ 600 milhões o preço do governo para privatizar a banda B da telefonia celular em São Paulo, que o consórcio BCP avaliou e comprou por mais de R$ 2 bilhões acima do preço governamental?
De R$ 600 milhões a R$ 2,647 bilhões, a diferença é de mais de quatro vezes. Na mesma proporção, Sérgio Motta precisaria vender, pelo seu preço, quatro e meio mercados de telefonia iguais ao fabuloso São Paulo para que o governo recebesse o que um consórcio de investidores achou que valia a pena pagar por um só mercado.
Estão aí os elementos aritméticos, caso não se queira falar de outros, para saber que confiança depositar nas avaliações do governo para as outras numerosas concessões de telefonia celular, em todo o país.
A menos que se aceite a hipótese de insanidade mental, conjugada com incompetência, por parte dos que pagaram os R$ 2,647 bilhões. É conveniente saber, porém, que o presidente do consórcio comprador, Carlos Alberto Vieira, é pessoa inteligente, banqueiro com vasta experiência em negócios internacionais e escorado, para definir sua proposta de compra, na orientação técnica de uma senhora empresa americana de telecomunicações, a BellSouth. São palavras de Carlos Alberto Vieira, recolhidas por Aguinaldo Novo: "O celular em São Paulo representa hoje a melhor oportunidade de negócio"; mesmo pagando mais de quatro vezes acima da avaliação de Sérgio Motta e seu governo, "vamos ganhar muito dinheiro"; a recuperação total do investimento e o lucro surgem em quatro a cinco anos no exterior, mas, "aqui, dado o tamanho do mercado, (...) pode vir antes".
O ágio de 341%, ou os mais de R$ 2 bilhões pagos acima do preço mínimo, é fruto só da relação muito conveniente entre investimento e lucro. Nem de longe é o que Sérgio Motta se apressou em dizer, "uma evidência da lisura do processo".
O que o ágio evidencia é uma fixação de preço que, em qualquer governo com alguma seriedade, provocaria a demissão sumária do ministro responsável, tão irresponsável. E, em qualquer país com alguma seriedade, em seguida à transação seria instaurado, de imediato, um inquérito criminal sobre procedimentos e motivos da avaliação absurda, no Ministério das Comunicações, de uma propriedade do Estado. O patrimônio público esteve (e está) ameaçado de grave perda por quem deveria defendê-lo -e, no caso, salvo da perda, ou de parte dela, pelo quase acaso de haver um grupo de investidores liderado por gente de maior visão e cacife.
A criação, na telefonia celular daqui, de banda A estatal e banda B privada já foi uma aberração. É dispensável que a peculiaridade administrativa brasileira crie mais uma: a "banda lheira".

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