São Paulo, domingo, 13 de julho de 1997
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Salário mínimo e pobreza

MARCELO NERI

Meu nome foi involuntariamente envolvido num debate entre dois conceituados colunistas deste jornal: Clóvis Rossi e André Lara Resende.
Me sinto na obrigação de responder algumas críticas desferidas por André Lara Resende, que parece descrente do papel desempenhado pelo salário mínimo na redução recente da pobreza. Nesse aspecto, meu conselho a meu crítico seria: olhe com atenção o gráfico ao lado. Como Confúcio disse: "Uma figura vale mais do que mil palavras".
A relação negativa entre salário mínimo e a proporção de pobres é visível a olho nu, mesmo no período de alta inflação, vigente até junho de 1994. Posteriormente, a proporção de indivíduos abaixo da linha de pobreza cai 27% nos 15 meses seguintes ao Real.
Entretanto, cerca de 60% da queda observada na pobreza no período "pós" se deu em setembro de 1994 e maio de 1995, quando o salário mínimo foi reajustado, passando de R$ 64 para R$ 100. Me parece pouco provável a interpretação de que a proporção de pobres estaria apenas reagindo ao lançamento do plano de estabilização.
Lara Resende me critica por incorrer num problema de regressão espúria. Entretanto, se tivesse lido o artigo, veria que a contribuição metodológica básica do meu artigo foi justamente evitar este problema. A técnica utilizada, baseada em dados que acompanham um grande número de indivíduos por curtos espaços de tempo, me permitiu calcular a parcela dos trabalhadores cujos reajustes salariais coincidiram exatamente (até a quarta casa decimal) com os reajustes do salário mínimo.
Essa estatística aumentou substancialmente nos últimos 15 anos, passando de cerca de 6% na primeira metade dos anos 80 para cerca de 14% no período pós-Real. O mais surpreendente é que o crescimento foi mais expressivo entre os trabalhadores informais, passando de 3,8% para 22%. Mais uma vez, me parece pouco razoável atribuir essa sincronia perfeita entre o salário mínimo e uma substantiva parcela dos salários individuais a coincidências.
Gostaria ainda de informar que a tese de que o salário mínimo exerce um relevante papel aliviador de pobreza não me era cara ou inicialmente óbvia. Sou um filho da PUC-RJ, na minha origem de economista. Lá aprendi com os artigos de Lara Resende, entre outros, os possíveis impactos inflacionários de mudanças das políticas salariais.
É importante, entretanto, ressaltar uma importante mudança empreendida pelo atual governo, a saber: o fim das políticas compulsórias e generalizadas de indexação salarial. Ou seja, o governo hoje não intervém mais em toda a estrutura de salários, mas apenas na cauda inferior da distribuição de salários, pela imposição de um salário mínimo. Essa mudança institucional diminuiu os possíveis efeitos inflacionários de reajustes do salário mínimo, aumentando simultaneamente o seu foco como política de aliviamento de pobreza.
Lara Resende parece acreditar que o fator único para a queda da pobreza no pós-Real foi a estabilização econômica. É verdade que o Plano Real produziu alguns efeitos benéficos sobre a distribuição de renda, como, por exemplo, o fim do imposto inflacionário. Entretanto, o Real foi um plano desenhado para eliminar a inflação, não a pobreza.
Lara Resende, como partícipe de diversos planos de estabilização brasileiros, sabe melhor do que ninguém que toda a tecnologia de combate à inflação que começou a ser testada no Plano Cruzado, aprimorada até o lançamento do Real, procura manter inalterado o status quo da distribuição de renda durante o processo de desinflação. Nesse sentido, o aumento da pobreza observado na fase de aceleração inflacionária que antecedeu o Real parece exemplificar melhor o caráter concentrador de renda exercido pela inflação do que o período pós Real.
Na minha opinião, o maior benefício do Plano Real, em termos de bem-estar social, foi aumentar a eficácia de políticas públicas de aliviamento de pobreza. Hoje, o governo e a população alvo desses programas gerenciam melhor os recursos envolvidos em função da redução das perdas inflacionárias e das incertezas, como fruto da estabilidade de preços.
Nesse sentido, o plano seria mais uma condição necessária do que suficiente para o aliviamento de pobreza observado. No caso do salário mínimo, a crítica que tem sido frequentemente feita ao governo FHC, de imobilismo na política social, não se aplica.
Além da estabilização, houve uma reforma institucional importante, que foi o fim da indexação salarial generalizada. Ambos possibilitaram a adoção de uma política de aumentos reais do salário mínimo. Essa política parece ter exercido uma contribuição decisiva na recente redução observada na pobreza. Reafirmo: essa conclusão é empírica e não ideológica.

E-mail: mcneri@ipea.gov.br

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