São Paulo, domingo, 13 de julho de 1997
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Balanço da CPI dos Precatórios

LUÍS NASSIF

No dia 24 de março passado, expus aqui a hipótese de investigação que achava mais provável para a apuração dos crimes cometidos no episódio dos precatórios.
A divulgação gota a gota do relatório da CPI, preparado pelo senador Roberto Requião, tem confirmado praticamente todas as hipóteses aventadas pela coluna.
Até então, senadores partiam da versão simplista de que um esquema que movimentou bilhões de dólares tinha sido fruto da cabeça de meia dúzia de pequenas raposas do mercado financeiro e funcionários de terceiro escalão da Prefeitura de São Paulo.
Minha hipótese de investigação foi formulada a partir de análises sobre as informações divulgadas pela CPI, e da prática jornalística óbvia de ouvir todas as partes, sem preconceitos, dentro do objetivo maior de se alcançar a verdade.
À medida que são divulgados trechos do relatório da CPI, a maioria das hipóteses está sendo confirmada. Era o seguinte o roteiro proposto:
1) A operação teria sido planejada na Prefeitura de São Paulo, como maneira de arrecadar recursos para obras e para o financiamento de campanha eleitoral. Na ocasião, a versão maciçamente divulgada era de que a tecnologia tinha sido criada pelo banco Vetor.
2) Para viabilizar a operação, havia a necessidade de se criar um precedente no próprio Senado (a permissão para incluir nos cálculos ações ajuizadas até a Constituição, mas ainda não julgadas). O que foi feito por meio de uma interpretação torta da Constituição, pelo relator senador Gilberto Miranda. Até agora, o relatório não aprofundou a questão da responsabilidade dos senadores.
3) Aventava-se a possibilidade de empreiteiras terem participado diretamente com sua "tecnologia" de influenciar o Senado. Esta semana o relatório aponta indícios de participação de empreiteiras na aprovação dos precatórios de pelo menos duas cidades importantes e do Estado de Alagoas.
4) Presumia-se, em seguida, que o mesmo esquema da prefeitura teria levado a operação adiante, oferecendo inicialmente de graça para sete cidades de São Paulo. Eu apostava um almoço de pizza como a comercialização desses papéis tinha sido feita pelo mesmo esquema. É a informação que ainda falta ver confirmada pelo relatório.
5) Para levar a operação para outros estrados, o esquema contratou o banco Vetor, que já tinha experiência em operações de lançamentos de debêntures estaduais. Essa hipótese foi confirmada pelo relatório, acabando com a versão de que o banco teria sido o mentor da operação -hipótese cômoda, que afastaria os esquemas políticos das suspeitas.
6) A coluna insistiu, por diversas vezes, que não havia apenas um esquema envolvido com os precatórios, mas a confluência de vários esquemas, um "enorme terreno movediço, não regulado, das relações entre empreiteiras, políticos, doleiros, instituições de mercado e contraventores em geral". Contrariando a visão geral, de meia dúzia de pés-rapados montando a operação, dizia que "é todo um sistema econômico e político que foi montado em torno desses esquemas, contaminando o Congresso, o mercado financeiro e a própria vida nacional. Dinheiro da máfia do INSS, dos precatórios, das caixinhas políticas, das propinas pagas ao setor público, do tráfico, todos eles se encontram nos mesmos canais de distribuição". Essa visão da corrupção sistêmica está sendo amplamente confirmada pelo relatório.
7) A coluna rebateu diversas acusações infundadas levantadas intempestivamente contra o banco Vetor -e que se constituíam em flagrante desrespeito dos manipuladores em relação a todos os seus colegas que procuravam trabalhar com responsabilidade. E divulgou-se aqui uma das poucas acusações consistentes contra o banco, que constam do relatório: a de que o dinheiro que o Vetor tinha aplicado em uma conta CC4, de fundo de aplicação estrangeira (posteriormente liberado pelo interventor do Banco Central), era o próprio dinheiro do precatório.
Balanço
Menciono esses fatos para lembrar que, se tivesse cedido ao patrulhamento primário e selvagem com que parte da cobertura tentou desqualificar as hipóteses, provavelmente a CPI jamais teria saído da versão meia pizza inicial.
E que se tivesse me comportado com esse prurido farisaico de não ouvir os suspeitos, jamais teria chegado perto da verdade, que agora o relatório começa a mostrar.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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