São Paulo, domingo, 13 de julho de 1997
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Duas vezes

"Tive sorte porque, na primeira vez, a lesão foi na cabeça e, na segunda, estourei só o corpo"
Daniel Nou Falcão, 23
Confirmando o ditado de que "desgraça pouca é bobagem", o estudante Daniel Nou Falcão, 23, passou duas vezes bem perto da morte. E em condições bastantes diferentes.
Em abril de 95, caiu de cabeça em uma fossa de esgoto de 10 metros de profundidade depois de uma festa no campus da Universidade Federal de Viçosa (MG). Um ano depois, caiu de paraglider após um salto duplo. "Até hoje duvido se estou normal por causa da gravidade dos acidentes. Foram dois milagres", diz Daniel.
A causa do primeiro acidente foi embriaguez. Antes de ir à festa, ele já tinha bebido tequila, uísque e vinho. Chegou ao campus trôpego e logo foi procurar um lugar para vomitar. Encontrou uma fossa de esgoto, sem tampo. "Ao vomitar, me desequilibrei e cai de cabeça no buraco, que tinha 10 m de profundidade. Desmaiei", conta.
Por sorte, um rapaz viu a queda e chamou os bombeiros. "Pensavam que eu já estava morto." As consequências foram traumatismo craniano, uma fratura no nariz e infecção nos dois pulmões. "Bebi muita água de esgoto."
Passou três dias em coma. E dois meses internado, enquanto um coágulo no seu cérebro diminuía. "Foi impressionante eu ter sobrevivido. Caí 10 metros, de cabeça, em alta velocidade, porque o buraco tinha um metro de diâmetro, como um cano de revólver."
Um ano depois, também em abril, Daniel e cinco amigos se reuniram num sábado, logo após o almoço, e foram para Divinésia, uma cidadezinha próxima a Viçosa, onde um instrutor dava aulas de paraglider. "Como chegamos tarde, só um amigo pulou. Então, combinamos de voltar no dia seguinte."
No domingo, eles se atrasaram de novo. Eram 16h30 e começavam a se formar umas nuvens negras. Sortearam quem pularia e Daniel ganhou. "Quando estávamos em cima do morro, o vento parou. Esperávamos e nada. Mudávamos de lado, o vento vinha ao contrário. Era irritante. Então, o instrutor olhou para mim e disse: 'Cara, vai ser um pulo radical'. Bateu um vento repentino e pulamos, mas a nuvem já nos sugou."
Ao entrar na nuvem, Daniel sentiu muito frio, seus dentes batiam, e ele percebia que estavam subindo muito. "Ficamos calados, ele dando loopings para pegar vácuo e poder descer."
Nesse momento, ele conta que desistiu de viver. "Já estava desencanado, porque, quando vi que subimos e que chovia forte, tive certeza que morreria. Só rezei, pois sou espírita. Depois desmaiei e acho que ele também, porque senão teríamos descido com calma."
Daniel só acordou à noite, no meio de uma fazenda. O instrutor, ainda preso a ele, balbuciou algumas palavras e os dois desmaiaram de novo.
Na madrugada, Daniel acordou, conseguiu se soltar do instrutor e tentou acordá-lo, mas não conseguiu. Arrastou-se alguns metros com os braços, para se proteger embaixo do paraglider. "Chovia muito e eu sentia dor nos ossos com a água da chuva. Fiquei sob o paraglider, não conseguia nem piscar, porque entrei num estresse total. Não pensava em nada, estava em pânico."
No dia seguinte, amanheceu um sol forte. Só depois do meio-dia, ele avistou dois homens em um dos morros. "Gritei muito, e eles me socorreram. Quando foram retirar o instrutor, ouvi o recado: 'Leva o vivo, o outro tá morto'."
Começou então outra temporada de dois meses em hospitais. Daniel teve quatro fraturas médias e uma luxação no tornozelo. "Tive muita sorte. O instrutor, que era muito mais forte e preparado, teve os órgãos internos esmagados."
Depois do segundo acidente, Daniel deixou Viçosa e voltou para a Bahia, onde nasceu. Ele diz ter tirado alguns proveitos nos períodos de recuperação. "Li muito, principalmente livros espíritas. Cresci. Comecei a dar valor a pequenas coisas, como andar e comer."
Ele diz não ter ficado com medo de altura. "Até pularia novamente de paraglider. Mas só com tempo bom."

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