São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 1997
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Teatralidade engole "As Filhas de Marvin"

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Certos filmes guardam a nostalgia do teatro. Não são como "Oleanna", de David Mamet, que escancara francamente sua origem e interessa justamente por isso.
São filmes como este "As Filhas de Marvin", em que a teatralidade irrompe na forma de certas convenções dos anos 30/40, do tempo em que se ia ao cinema para ver Greta Garbo como Marguerite Gautier ou Spencer Tracy como dr. Jekyll e mr. Hyde.
Aqui, o que se verá, como enredo, é uma variante de "Laços de Ternura". Duas irmãs separadas há décadas reencontram-se quando uma delas descobre-se com leucemia.
Bessie/Diane Keaton ocupa-se do pai (Hume Cronyn), à morte, e da tia (Gwen Verdon). De passagem, seu médico é Robert De Niro (fazendo uma ponta porque é produtor do filme).
Lee/Meryl Streep tem de dar conta de um filho adolescente (Leonardo DiCaprio) disposto a, literalmente, pôr fogo na casa. A possibilidade de entendimento entre Bessie e Lee será, naturalmente, a baliza do roteiro. Sem surpresas.
Onde está a teatralidade disso? É que em vez de termos a atenção no texto, passamos o tempo observando como Streep diz suas falas, Keaton reage a tal situação ou De Niro ganha uma cena.
As personagens estão lá como o traço de união entre a platéia e as estrelas. Ou seja, reproduzem uma velha convenção teatral -que um dia o cinema já imitou- e a tiram do formol.
Hoje, o que distingue o cinema do teatro não é tanto o espaço em que cada um trabalha nem a diferença entre a ação teatral, contínua, e a cinematográfica, segmentada. É, sim, uma certa disposição do espectador.
Aceitamos ir ao teatro para ver o ator A no papel do personagem X. Mas, ao contrário, vamos ao cinema para ver o ator A se anular em favor do personagem X.
No cinema, quanto mais o ator se distingue, se particulariza, mais distancia o espectador do personagem e do filme.
E quanto mais ele se esconde, se disfarça, se confunde com o personagem, mais sua interpretação é bem-sucedida.
Nunca pensamos que Tim Robbins está soberbo, ao ver "Um Sonho de Liberdade" (1994). Somos levados pelas muitas facetas do personagem. Nos ocorre que o roteiro é brilhante, que a direção é cheia de idéias. É como se Tim Robbins não existisse, e justamente por isso essa é uma grande interpretação.
Em "As Filhas de Marvin", ao contrário, pensamos em Meryl Streep, em Diane Keaton, em De Niro. Só não pensamos nos personagens. Vemos técnica, mas não vemos vida.
Talvez isso se deva, em parte, ao fato de o diretor Jerry Zaks ser um estreante chegando do teatro. Mas é evidente que todo o esforço da produção vai mais no sentido de fazer bonito do que de fazer um filme. No fim, faz uma diferença enorme. Às vezes, com um elenco barato consegue-se muito mais.

Filme: As Filhas de Marvin
Produção: EUA, 1996
Direção: Jerry Zaks
Com: Meryl Streep, Diane Keaton, Leonardo DiCaprio, Robert De Niro
Quando: a partir de hoje, nos cines Paris, Espaço Unibanco 1 e circuito

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