São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 1997
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Turturro cai na estrada em comédia existencial

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Alice no País das Maravilhas" pode ser visto como matriz de toda uma linhagem de filmes "adultos": a do sujeito convencional que um belo dia sai de casa e, geralmente sem querer, se vê lançado numa realidade maluca, da qual tem dificuldade em fugir para voltar para casa.
"A Chave da Liberdade", de Tom DiCillo, filme que estréia hoje, é o mais recente exemplar dessa linhagem, que já deu, entre outros, "Depois de Horas", de Scorsese, "Totalmente Selvagem", de Jonathan Demme, e "O Homem Que Perdeu a Hora", de Christopher Morahan.
O engenheiro Al Fountain (John Turturro), trabalhando na implantação de uma fábrica no interior, perde o emprego inesperadamente e, em vez de voltar logo para casa, resolve tirar uns dias de férias "secretas".
Fountain é a rotina personificada: todas as noites, às nove em ponto, liga para casa e pergunta se o filho está estudando direito a tabuada.
O conflito entre o princípio da realidade e o do prazer se concentra em dois objetos: o relógio (que manda na vida do engenheiro) e o fogo de artifício (que seu filho está proibido de comprar).
Até a metade, o filme mostra com humor sutil o desajuste a que Fountain se condena exatamente por ser tão "ajustado".
Mesmo quando se permite uns dias de liberdade, sua falta de prática no ramo revela-se desastrosa.
Nessa fase da história, a narrativa semeia aqui e ali elementos estranhos, que instigam a atenção do espectador: um veado de madeira surge entre as árvores de um bosque bucólico, café volta da xícara para o bule, um velho sorridente fala sobre Jesus enquanto brinca com um machadinho...
O filme cai quando Fountain encontra um jovem vagabundo (Sam Rockwell) que mora numa barraca de beira de estrada e vive de pequenos furtos.
Kid conduz o engenheiro a um edulcorado retorno à infância e à natureza. Todas as imagens estranhas surgidas antes se explicitam de modo redundante, o humor se dilui, e a narrativa sucumbe aos clichês de "libertação" e "loucura" (guerra de tomates, tiros em latas de tinta etc.).
Paradoxalmente, o filme se torna mais careta quando o protagonista deixa de sê-lo.

Filme: A Chave da Liberdade
Produção: EUA, 1996
Direção: Tom DiCillo
Com: John Turturro, Sam Rockwell
Quando: a partir de hoje, no Cinearte 1

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