São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 1997
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O tigre, o susto e a bola da vez

ALOIZIO MERCADANTE

As inconsistências macroeconômicas da âncora cambial no México acabaram desaguando em uma grave crise cambial, com impacto imediato no Brasil, em 1994.
Do outro lado do mundo, um novo ataque especulativo contra moedas artificialmente valorizadas por regimes de âncora cambial promove instabilidade financeira nos países emergentes.
A Tailândia perdeu US$ 10 bilhões de reservas cambiais em um dia de ataque e se rendeu; logo após, as Filipinas, que chegaram a elevar as taxas de juros para 32%, também desvalorizaram sua moeda, acompanhadas por Malásia, Indonésia e até Cingapura.
No "efeito tequila", o governo FHC foi obrigado a engolir o discurso e mudar para o regime de banda cambial e microdesvalorizações.
Porém o grave erro da fixação da taxa de câmbio no início do programa foi mantido, representando uma sobreapreciação do real de 17% a 29%, dependendo do deflator utilizado. O gemido dos pequenos tigres (os grandes são Coréia e China) fez desabar a Bolsa de Valores em 14,6% em três pregões. Mas não sofremos um ataque especulativo contra a moeda -ainda.
Porém as inconsistências macroeconômicas e a profunda vulnerabilidade externa do Plano Real são evidentes. O equívoco na taxa de câmbio, acompanhado dos problemas estruturais da economia, promoveu um desequilíbrio gravíssimo no balanço de pagamentos.
O déficit comercial, neste primeiro semestre, cresceu mais de 15 vezes em relação ao mesmo período de 1996. Para termos um indicador inquestionável da vulnerabilidade externa, o déficit de transações correntes em 1994 era de US$ 1,7 bilhão, para reservas cambiais de aproximadamente US$ 40 bilhões. Hoje, estamos com um déficit acumulado, nos últimos 12 meses, de US$ 32,2 bilhões e reservas cambiais de US$ 56 bilhões, em queda desde o final de 1996.
Os indicadores da vulnerabilidade externa do Brasil são piores do que os de vários dos pequenos tigres asiáticos.
A economia brasileira está dependendo de poupança externa crescente, ainda que os investimentos diretos venham aumentando substancialmente e tenha melhorado o perfil do capital que ingressa no país. Em 1995, o investimento direto representava apenas 13% do ingresso de capitais; em 1996, já atingia 39%. Neste ano, deverá chegar a US$ 15 bilhões, pouco menos que a metade do ingresso estimado.
Ocorre que estão basicamente vinculados a privatizações, aquisições e fusões de empresas, não à geração de nova capacidade produtiva.
O nível geral de investimentos da economia cresceu muito pouco, de um patamar de 14,8% do PIB no triênio 1990/1993 para apenas 15,9% nos três anos de Plano Real.
Não há consistência na aposta do governo de que esse pequeno acréscimo nos investimentos, que majoritariamente não estão sendo canalizados para nova capacidade produtiva, possa alavancar as exportações e reequilibrar o balanço de pagamentos nos próximos anos.
A única e importante diferença do Brasil em relação ao México e aos tigres não são as reservas ou os investimentos diretos, mas as privatizações. Essas, sim, são a válvula de escape provisória que permite ao governo ainda empurrar com a barriga a fragilidade cambial e das finanças públicas.
Tivemos nestes dias mais um alerta sobre a precariedade dos fundamentos macroeconômicos do Plano Real. Mas, se continuarmos nesse rumo, liquidado o patrimônio público, muito provavelmente seremos eleitos a bola da vez.

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