São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 1997
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A quatro mãos (19)

WASHINGTON OLIVETTO; CARLOS CONTI

WASHINGTON OLIVETTO
e CARLOS CONTI
Pouco tempo atrás, numa conferência, o escritor Gabriel Garcia Márquez propôs a eliminação da ortografia.
Lendo isso, lembrei-me de uma história engraçada: alguns anos atrás, aqui, na W/Brasil, fizemos um convite para o concerto solo do mundialmente conhecido violinista Shlomo Mintz, que ia acontecer no Teatro Cultura Artística com o patrocínio do nosso cliente Unibanco.
Nosso zeloso revisor -numa crise de bom senso-, ao ver a arte-final do convite, imaginou impossível alguém fazer um concerto solo de duas horas de violino e imediatamente transformou o consagrado músico em violonista, o que nos valeu 2.000 convites errados e milhares de pedidos de desculpas.
Essa história tragicamente real ilustra bastante bem a importância do revisor numa agência de publicidade. No caso, o erro aconteceu num simples convite -mas poderia ter sido num anúncio de revista com 2 milhões de leitores ou nos números de um daqueles luxuosíssimos relatórios anuais que as grandes empresas fazem habitualmente.
O revisor de uma agência tem de ser perfeito, atento, obsessivo, preciso. Não pode ser um redator frustrado, muito menos um reformador da linguagem ou um defensor de arcaísmos.
É o caso de Carlos Conti, um dos melhores revisores do país, a quem convidei para o "A quatro mãos" de hoje. Espero que vocês gostem da minha escolha, mas, caso isso não aconteça, me perdoem.
Com exceção dos revisores, para qualquer um de nós, errar é humano.
*
A última flor do Lácio continua inculta e bela. E cheia de espinhos. Espinhos que espantam, espetam, assustam, aterrorizam. Às vezes, causam verdadeiro pavor. Por exemplo, muita gente treme diante do trema: "É obrigatório? É opcional? É deste planeta?" Ou então: "Ué?! Mas ele não foi abolido?" Não, ele continua firme, forte, leve, solto e muito bem-disposto. Meio fugidio, é verdade, mas de vez em quando lá está ele, prestativo, dando aquela força pro "u" (que o "g" e o "q", inconseqüentes que são, insistem em atropelar). Na verdade, ninguém agüenta ficar sem o trema por muito tempo.
É mais ou menos esse o caso do revisor, um profissional que em alguns lugares deixou de ser obrigatório, em outros foi completamente abolido. E que muitas vezes parece ser mesmo de outro planeta.
Aliás, muita gente não acredita na sua existência, nem se vir uma foto. Mas pode acreditar: o revisor existe sim. De aparência humana, é encontrado nas mais diversas formas. Pode ser gordo, magro, alto, baixo, calmo, plácido, franciscano, nervoso, muito nervoso, torquemadesco (sem trema), jovem, velho, tímido, ousado, cuca fresca, pentelho, erudito, pop, popular, populista, extremamente impopular... Uns conseguem ser tudo isso ao mesmo tempo agora; outros, uma coisa de cada vez.
Para alguns revisores, meia palavra basta; para outros, pingo é letra. Alguns revisores são cegamente fiéis ao original; outros são suuupercriativos, dando aquele toque pessoal ao texto alheio.
Mas a variedade não pára por aí. Concordo com o Washington: revisores não podem ser redatores frustrados. Na verdade, outros revisores também concordam. Tanto que, para acabar com a frustração, passam a redigir verdadeiros tratados nas vias dos originais. Esses são os verborrágicos. Parentes próximos dos hiperbólicos. (Cá entre nós, ouvi dizer que já existem bons tratamentos para os dois casos.)
No outro extremo, temos a espécie dos monossilábicos, similar à dos reticentes... Eles adoram fazer mistério... como se fossem os únicos a saber... que foi o mordomo...
Mais interessante ainda é uma espécie que foi descoberta recentemente, se bem que sua existência foi comprovada apenas na cabeça de alguns interlocutores. Dizem que age como um verdadeiro inquisidor da fala, que a todos cala e nada consente. Causa tamanho pavor em quem conversa com ele que com ele não tem conversa.
Há também o tipo científico. Por mexer com a língua (hmmm), ele jura que seus pares são os fonoaudiólogos e os otorrinolaringologistas (ufa!). Falando nisso, existem até mesmo revisores poliglotas-de-língua-presa. Esses, quando soltam o verbo, transformam-se em verdadeiros trogloditas. Mas essa é uma outra história.
E por aí vai. E vai longe. Não, você não! Chega mais perto! Isso... ahn... pensando melhor, não tão perto. Bem, o que está perto mesmo é o ponto final. Por isso, como membro (hmmm) do meio (hmmm), gostaria de fazer uma colocação (hmmm), para encerrar o assunto: a variedade dos revisores é tão grande que existe um para cada tipo de redator. Do mais sisudo ao mais engraçadinho.
Afinal de contas, alguém sempre tem de estar por dentro da última do Português.

Washington Olivetto é presidente e diretor de criação da W/Brasil. Carlos Conti é revisor da W/Brasil.

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