São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 1997
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Mídia e "custo Brasil"

LUÍS NASSIF

Recentemente foi publicado um estudo sobre o peso da Justiça no chamado "custo Brasil". Quanto custam as sentenças imprevistas, a demora dos processos, as desconfianças sobre os contratos?
Estudo semelhante sobre o "custo imprensa" traria subsídios importantes para que começássemos a reavaliar nosso papel.
Dentro de uma economia de mercado, à imprensa cabe o papel mais relevante. Deve atuar como elemento de identificação de problemas, porta-voz da opinião pública, fórum de apresentação das reivindicações dos setores sem representação política, divulgador de notícias sobre economia, mercado e empresas.
É com base nas informações da imprensa que investidores tomam suas decisões de investimento, que governantes buscam corrigir rumos, que a sociedade é alertada para a correção de problemas e que as boas experiências são disseminadas com maior rapidez. É na mídia que se deve dar o grande debate sobre a reorganização do Estado, os mecanismos de controle do mercado, as formas de implementar os novos valores, os rumos dos investimentos públicos e privados.
Será através do trabalho competente da imprensa que a opinião pública passará a julgar empresas e governantes de acordo com critérios de responsabilidade social.
Consolidando mercado
Nas últimas décadas, a imprensa cumpriu papel da maior relevância. Ajudou a consolidar valores não corporativistas, a transformar a democracia em bem maior da sociedade e a formar um mercado de consumo, que hoje em dia é dos maiores do mundo.
Se esse papel foi relevante para lançar as bases de uma economia social de mercado, está sendo insuficiente para consolidá-la.
Notícias falsas sobre a economia induzem investidores a erros. Além do prejuízo individual, reduzem a eficiência geral da economia, pela dispersão dos recursos em movimentos especulativos.
Notícias falsas sobre empresas podem liquidar reputações e ativos que, mais do que dos acionistas, se constituem em fator de riqueza do país.
Demora em identificar problemas no país (como a crise do SUS, há um ano, ou a lentidão em definir novas políticas industriais) provoca sacrifício inicial inútil; depois, um gasto dobrado para compensar o estrago.
Portanto, à imprensa cabe papel central na definição do novo país que se quer. E essa responsabilidade social para com a nação ainda não foi percebida por muitos setores.
Jornalismo de marketing
Nos últimos anos, muito por influência da televisão, houve o predomínio arrasador do chamado "jornalismo de marketing". A ambição profissional máxima do jovem repórter era exercitar o senso comum nas matérias, fuzilar reputações para se sentir poderoso ou exprimir indignação contra tudo e contra nada.
Aprofundar temas, ganhar consistência analítica, perseguir o rigor técnico, confirmar os boatos antes de sua divulgação, buscar ângulos complexos da questão, nada disso.
As redações passaram a atuar com excessiva contemplação para com os erros cometidos pelos jornalistas.
O engenheiro que comete um erro de cálculo passa imediatamente a ser mal visto pelos colegas. No jornalismo, ainda não existe esse círculo de censura "intracorporis", inibindo a ação do amador ou do leviano.
Um repórter que comete uma barriga e um editor que a aceita comprometem a profissão como um todo, e o veículo em particular. Precisam no mínimo ser mal vistos pelos colegas. No entanto, em geral o sistema de avaliações peca por excessiva complacência, próprio das corporações fechadas.
Popularidade e prestígio
É importante que o conceito da popularidade -que tanto fascina os jovens de cabeça mais vazia- seja substituído pelo conceito do prestígio. E que se entenda que esse sucesso fácil do "palpiteiro" não tem vida longa.
Nos próximos anos, o comando nas redações estará nas mãos dos estudantes de hoje que conseguirem casar profissionalismo, rigor na apuração dos fatos e capacidade de correr riscos na busca de novos ângulos das matérias.
O jornalista "fast food" será apenas uma curiosidade, um chamariz para pegar o que restar de leitores menos exigentes.

Email: lnassif@uol.com.br

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