São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 1997
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A privatização do papa

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - Não há quem desconheça a passagem bíblica em que Jesus, em rara erupção de fúria, põe para correr os vendilhões do templo. Está no Novo Testamento.
Tome-se o relato do apóstolo Mateus (capítulo 21, versículo 12). Ele conta que Jesus "expulsou todos os que vendiam e compravam no templo, e derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas".
Em seguida, agora segundo relato de Lucas (capítulo 20, versículo 46), Jesus vociferou: "Está escrito: a minha casa é casa de oração; mas vós fizestes dela covil de salteadores".
Se tornasse hoje à Terra, Jesus não precisaria ser levado à cruz. Morreria antes, de desgosto. Tombaria ao notar o modo como a igreja organiza a vinda de João Paulo 2º ao Brasil.
Em outubro, o papa falará a multidões de católicos no Rio. Em troca de 50 mil dinheiros, vendilhões de toda espécie armarão sua banca no templo. Agentes autorizados já recolhem as contribuições. Em carta, esclarecem: "As empresas patrocinadoras poderão aproveitar a ocasião para divulgar seus produtos e suas marcas, através da distribuição de camisetas, bonés, lenços de saudação, ventarolas e almofadas."
Há mais e pior: as contribuições de empresários serão abatidas no Imposto de Renda. Graças a uma leitura cristã da Lei Rouanet, a celebração religiosa ganhou ares de evento cultural, bancado pelo contribuinte -incluindo judeus e muçulmanos, umbandistas e espíritas, ateus e agnósticos.
São mesmo implacáveis os tempos que correm. Tempos neoliberais, em que o único deus é o mercado. Privatiza-se, sacrilégio supremo, até o papa. Com mamata fiscal, que ninguém é de ferro.
Ao revirar nos céus, Deus há de estar enxergando figuras como o bispo Edir Macedo com olhos de compaixão.

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