São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 1997
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'Onde fica o Paraguai?'

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Alguns leitores estranham que, com tediosa frequência, eu suspeite da existência das Ilhas Papuas. Para provar que elas existem, chegaram a mudar de nome -informam os mais entendidos. Bem, nunca pensei em me justificar, mas ontem, convidado por Nélida Piñón e rebocado pelo poeta Thiago de Mello, fui à Academia Brasileira de Letras e lá fiquei pensando em homenagear Machado de Assis e sua casa, que está completando cem anos.
Melhor maneira não encontrei que citar o mestre. Costumo reler anualmente seus três romances principais ("Quincas", "Cubas" e "Casmurro" -na ordem). Sempre aprendo alguma coisa e me edifico com algum achado novo. Para variar, peguei desta vez uma de suas crônicas, datada de 11 de novembro de 1894 -mais ou menos a mesma idade de outra de suas obras, a Academia.
O velho comenta a comissão do Uruguai que veio condecorar heróis e vítimas da Guerra do Paraguai, que terminara 25 anos antes. Espantado com a solenidade, que lhe parecia anacrônica, Machado pergunta: "Campanha do Paraguai! Mas, então, houve alguma campanha do Paraguai? Onde fica o Paraguai?".
Mesmo sem conhecer a Internet, que banaliza e congestiona a informação, o grande bruxo rememora a seu modo as emoções que chegavam de mês em mês, pelos paquetes. "Não tínhamos ainda este cabo telegráfico, instrumento destinado a amesquinhar tudo, a dividir as novidades em talhadas finas, poucas e breves. Naquele tempo, as batalhas vinham por inteiro, com as bandeiras tomadas, os mortos e feridos, número de prisioneiros, nomes dos heróis do dia...".
Acredito que Machado também não saberia onde ficam as Ilhas Papuas. Como se vê, a minha ignorância tem pelo menos um precedente ilustre. Tão ilustre que, cem anos depois, obrigou-me a vestir traje a rigor e comparecer a uma festa sob o mesmo teto que um presidente da República.

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