São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 1997
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Com açúcar, com afeto

JOSÉ SERRA

A situação de Alagoas reflete um problema maior: a crise do federalismo no Brasil. A redemocratização fortaleceu a capacidade de pressão política dos Estados. A Constituição de 1988 conferiu-lhes mais autonomia e receitas, à custa da União.
As desproporções na representação dos Estados junto ao Congresso foram agravadas. Os partidos, frágeis, vergam-se aos interesses regionais. Desapareceram dois fatores que facilitavam a coesão federativa desde os anos 30: o rápido crescimento da economia e o seu relativo fechamento em relação ao exterior.
Em que consiste a crise? Precisamente nos tropeços da transição de um tipo de federalismo (delineado, com flutuações, de 1930 a 1980) a outro, que não se sabe qual é, mas que, certamente, envolve elevados graus de liberdade e de responsabilidade dos governos subnacionais, tanto na manutenção da unidade nacional quanto na condução dos seus próprios assuntos.
O caso de Alagoas é exemplar. Aliás, uma das explicações mais ridículas para seus problemas invoca uma suposta opressão financeira da União. Pelo contrário, Alagoas ganhou muita receita com a nova Constituição, mas a jogou fora promovendo, em 1988/89, um leviano "acordo" tributário com o setor sucroalcooleiro.
O atual governo federal tratou o Estado com açúcar e com afeto. Forneceu um crédito de R$ 290 milhões para rolar dívidas caras e promover demissões voluntárias de funcionários. Mas, nesse caso (R$ 135 milhões), parte do dinheiro foi desviado ou pagou demissões de marajás. Só uma família de funcionários levou R$ 1 milhão para sair do serviço público.
Como transferências constitucionais federais, o Estado recebeu, em 1996, R$ 363 milhões (122% de suas receitas próprias); como transferências negociadas da União, recebeu R$ 43 por habitante (média do Nordeste: R$ 30).
Mais ainda, o governo alagoano levantou R$ 300 milhões com precatórios fajutos, engordando quadrilhas financeiras e usando o resto para pagar, em vez de salários atrasados, dívidas com empreiteiras. Por cima, não honrou o resgate de parcelas de sua dívida mobiliária.
Como se não bastasse o presente tributário anterior, reduziu à metade o imposto sobre a produção do setor sucroalcooleiro e estabeleceu um regime de substituição tributária que atribuiu às usinas o encargo de recolher o imposto ao Estado. Mas isso não tem sido feito, e elas ganharam um presente de R$ 7 milhões por ano. A dívida de contribuintes faltosos é superior a R$ 240 milhões, mas são recuperados apenas R$ 90 mil por ano.
Uma intervenção em Alagoas não afetaria a saúde da Federação. Existem "n" motivos constitucionais para fazê-la. Mas, afora a pouca estima do governo federal por atitudes radicais e antecipadas, há um obstáculo constitucional: um dispositivo cretino nos diz que seu texto não poderá ser emendado na vigência de intervenção federal (quem teve essa idéia?).
Ou seja, a intervenção em Alagoas adiaria as chamadas reformas, menina dos olhos do Executivo. Haveria uma chance: interpretar que "constituição emendada" significa "emenda promulgada", dando-se sequência ao processo de tramitação. Mas isso não seria fácil. E ainda há quem se oponha a uma revisão ampla da Constituição!

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