São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ensinamentos mexicanos

JOSÉ MACHADO

No início do mês estive no México acompanhando as eleições daquele país como observador oficial do Partido dos Trabalhadores. Volto comovido com o encanto e a cordialidade dos mexicanos com os brasileiros e impressionado com os resultados eleitorais, que simbolizam as profundas mudanças vividas pela América Latina.
De sua parte, diferentes segmentos do espectro de esquerda se integram ao processo democrático-eleitoral, ganhando mais e mais legitimidade. Simultaneamente, ocorre um inexorável desgaste das oligarquias mais tradicionais, diante da incapacidade de conduzir a nação ao desenvolvimento com equidade.
O México é um exemplo de ajuste neoliberal promovido em uma sociedade contrastada pela sofisticação e pela exclusão. Enquanto as elites econômicas detêm a maior parte da riqueza nacional e dispõem dos recursos mais desenvolvidos (nos bens de consumo, na informação, na microeletrônica, na integração financeira etc.), a maior parte dos mexicanos é castigada pela miséria, pela falta de emprego e de perspectivas.
A peculiaridade asteca reside em uma contradição complexa: ao mesmo tempo que mantém forte dependência dos EUA, o México busca maior autonomia. Subordinação derivada de seu lugar geopolítico, expressa no volume de investimentos norte-americanos na economia mexicana, coroada com o Nafta e confirmada pela constante fuga de mexicanos em busca de empregos no "paraíso" californiano.
A recente crise econômica por que passou acentuou sua dependência econômica, pois, não fosse o "socorro" de bilhões de dólares patrocinado pelo governo Clinton, o caos acentuaria sua perversidade. O problema é que a crise só ocorreu em virtude da política desenfreada de abertura econômico-comercial e pela fragilidade do país perante o mercado mundial: de repente, as reservas viraram fumaça.
À crise econômica -cujas consequências mais graves foram o desemprego e o aumento do fosso entre as elites e os excluídos- veio se somar e se confundir a crise política e institucional. Não é casual, portanto, que lá tenha sido parida uma experiência que se julgava em extinção no continente, a guerrilha.
A turbulência na província de Chiapas -a mais pobres e atrasada do país- e o surgimento de um "exército zapatista" demonstram a não-resolução de um problema central, qual seja, a exclusão social.
Há cerca de 70 anos o Estado mexicano é dirigido e monopolizado pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI). Nesse longo período, marcado pela ausência de liberdades elementares e por eleições viciadas e fraudulentas, o PRI se confundiu com a máquina estatal, fundindo-se em uma só entidade, amplamente denunciada por prática de corrupção.
Nos anos 80, um marco muda a história daquele país: Cuauhtémoc Cárdenas lidera uma cisão no PRI para erigir um novo ator na política mexicana, o Partido da Revolução Democrática (PRD), com um programa de centro-esquerda fundado na democracia e na priorização do social. Nas eleições presidenciais de 1988, Cárdenas ganhou, mas não levou, numa das maiores fraudes eleitorais contemporâneas da América Latina.
O mesmo Cárdenas agora venceu as primeiras eleições diretas para o governo do Distrito Federal, a Cidade do México, abrindo uma nova perspectiva para o povo mexicano. É verdade que o PRI venceu em outros quatro Estados e ainda predomina no Congresso e que o PAN, oposição de direita, também cresceu, mas a história do México passa a ser construída sob novas bases.
Creio ser possível extrair algumas conclusões elementares da experiência mexicana, que, em alguma medida, são generalizáveis no contexto latino-americano dos processos de transição e de respectivas democratizações.
Em primeiro lugar, no âmbito político-institucional, a democracia torna-se uma exigência, no sentido básico da valorização da participação política dos cidadãos, da concorrência partidária e da existência de sistemas político e eleitoral livres, enfim, das velhas oligarquias que secularmente fizeram do espaço público a arena privilegiada para a defesa de seus negócios e interesses.
Em segundo lugar, uma política de ajuste econômico que prescindir da inclusão social e da inserção soberana na nova ordem internacional estará fadada à instabilidade, à dependência e à injustiça. Desse ponto de vista, o México guarda grande similitude com o Brasil. O desafio de ambos consiste em mudar seus rumos na perspectiva da igualdade, da justiça e da soberania.

Texto Anterior: Com açúcar, com afeto
Próximo Texto: Suicídio assistido e doente terminal
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.