São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 1997
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Quando comprar quer dizer barganhar

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
DO ENVIADO ESPECIAL À EURÁSIA

"Ué ariú from? Ué ariú from?" Se você ouvir a pergunta nas proximidades de estabelecimentos comerciais de Istambul ou no interior dos imperdíveis Grande Bazar e Bazar Egípcio -o que acontecerá, fatalmente-, fique alerta: sua resposta poderá ser o início de uma conversa que infalivelmente acabará numa insistente tentativa de realizar um negócio.
Se você for sincero e responder "I'm Brazilian", ouvirá imediatamente os nomes de Ronaldo e Romário, algum elogio adicional ao café e um convite, já em espanhol, para visitar a loja do interlocutor.
"Não quero lhe vender nada, é só para você ver, tomar um chá ou um café turco, descansar e conversar", dirá a simpática e persistente figura.
A mesma coisa acontecerá, com pequenas variações, se você disser que é italiano, francês ou americano. Se a idéia é evitar o assédio, o melhor é calar-se ou responder algo do tipo "sou da Tchetchênia" e passar a falar velozmente nesse código internacionalmente indecifrável chamado português.
Mas, se você pretende pagar para ver, ok, aceite o convite.
Suponha que o mercador, no caso, retire seu sustento do secular ramo dos tapetes. Você será levado à loja, forrada de tapetes, e convidado a sentar-se numa sala.
Surgirão mais 1 ou 2 pessoas. Uma delas -que pode ser o tio, o "brimo" ou o irmão do sujeito que te convidou- passará a conduzir a conversa.
- "Chá ou café?"
- "Chá."
- "De maçã ou preto?"
- "Preto."
Não espere uma xícara. O líquido fervilhante virá num pequeno copo, uma espécie de cálice, muito simpático, mas que exigirá certa habilidade manual para evitar que os dedos queimem. O chá, de qualquer forma, é saboroso.
Servido, o mercador começará a fazer perguntas em tom de conversa mole: como é seu país, se você vive numa cidade grande, se mora em apartamento, sua profissão etc.
(Ele, obviamente, está querendo formar uma idéia sobre seus meios e certamente acabará perguntando em que hotel você está hospedado. No meu caso, fiquei no Çiragan Palace, um dos mais luxuosos da cidade, sinônimo de ricos europeus ou árabes. "Mas não sou eu quem está pagando", apressei-me em informar, explicando que era jornalista. A julgar pela decepção do negociante, essa poderá ser uma estratégia muito útil.)
Bem, o tempo irá passando, e o homem começará, enfim, a falar sobre tapetes. Explicará que há inúmeros tipos, de várias regiões, com diversas idades, qualidades de lã e seda. A cada nova informação, pegará uma peça, que será estendida a sua frente.
- "Dark colors or light colors?"
- "Dark colors."
E lá vai a pilha aumentando, proporcionalmente às explicações. Você se tornará, por minutos, um "expert" em nós, padrões e tempo de feitura de cada peça.
Chegará, então, a pergunta crucial:
- "Desses aqui, quais o sr. mais gostou?"
- "Eu realmente não pretendo comprar."
- "Não é para comprar, diga apenas quais o sr. mais gostou. Esse, por exemplo?"
- "Sim."
Depois de uma sequência de novos "sins" e "nãos", uma amostra mais reduzida permanecerá a seus pés. Novas explicações e...
Bem, os tapetes são verdadeiramente belíssimos, e você acabará considerando intimamente a hipótese de ver um deles em sua casa. O tema tabu até o momento -preços- surgirá naturalmente, e, a essa altura, você já estará fazendo uma compra.
Artes e manhas da pechincha
Preços fixos são uma raridade em Istambul. Nada custa o que se diz que custa. A barganha é um rito obrigatório. Não tenha pruridos ao pechinchar. Seja duro. Force ao máximo o preço para baixo, sempre propondo menos da metade.
O negociante fará propostas e propostas e irá baixando gradualmente o preço. Pedirá para você "pôr a mão no coração" e fazer uma oferta mais razoável. Dirá que as mulheres da montanha são pobres. Apelará para motivos religiosos e crendices ("o primeiro negócio do dia me trará sorte").
Não se sensibilize. E saiba que você ainda terá uma preciosa cartada: levantar-se para ir embora. O vendedor, com certeza, irá atrás e chegará a um preço bastante próximo do seu.

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