São Paulo, terça-feira, 22 de julho de 1997
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Jimi Hendrix

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Sai no Brasil reedição remasterizada da obra completa do guitarrista, cantor e compositor norte-americano

O mercado brasileiro se esperta e incorpora a obra completa do guitarrista, cantor e compositor norte-americano Jimi Hendrix (1942- 70), recém-recomposta e remasterizada a partir de fitas mestras das sessões originais de gravação.
Além da restauração de seus quatro álbuns originais (leia abaixo), o pacote traz o "inédito" "First Rays of the New Rising Sun", álbum em que Hendrix estaria trabalhando quando morreu.
A novidade nem é tanta: o disco condensa material postumamente desmembrado em "The Cry of Love" (71), "Rainbow Bridge" (71) e "War Heroes" (72).
São sessões de estúdio feitas pelo artista entre 68 e 70. Incluindo demos e faixas atípicas, jamais se poderia dizer que formariam um álbum -muito menos com a capa "Rei Leão" que a família Hendrix (que acaba de retomar o controle da obra do guitarrista) lhe impingiu.
Reconstrução
No mais, a reconstrução é impressionante. As modulações criadas pelo trio Experience, completado pelo baixista Noel Redding e pelo baterista Mitch Mitchell, reaparecem límpidas e evidentes como nunca estiveram.
A viagem se inicia por "Are You Experienced?", disco de revelação do músico canhoto de Seattle, que entrou na história por tocar guitarra como se estivesse no cio.
É resultado do encontro com Chas Chandler, baixista dos Animals, que se encantou com Hendrix -até então músico secundário de Little Richard, B.B. King, Ike & Tina Turner- e o convenceu a se radicar na Inglaterra.
Sob a batuta de Chandler, Hendrix surgia como, a um tempo, mantenedor raivoso do blues, modernizador negro do rock dos Rolling Stones e propulsor da onda psicodélica na Inglaterra.
Ia além, encarnando entidade que reunisse num só Elvis Presley e Bob Dylan (não sem pitadas psicodélicas do trovador Donovan). Ia mais além, trazendo ao rock estirpes negras de soul (Curtis Mayfield, Wilson Pickett), blues (Buddy Guy) e jazz (Miles Davis).
Ia ainda mais além: sua estréia já lançava, unida às de Sly Stone e George Clinton, os alicerces de um novo gênero: o funk.
Tudo isso "Are You Experienced?" apresentou, e "Axis: Bold As Love", lançado só sete meses depois, apimentou, ainda no formato das cançonetas de dois minutos, em tempo de pleno desbunde hippie/lisérgico.
No meio tempo entre os dois discos, Hendrix se apresentou no festival de Monterey e conquistou, afinal, o país natal. Aí se instalou a mística do músico literalmente incendiário, que destruía guitarras e fazia sexo com elas no palco.
Jams e rock progressivo
O ícone de projeto conceitual "Electric Ladyland" (68), álbum duplo dominado por jam sessions jazzísticas, vem fazer a reviravolta.
No pacote atual, o disco vem despido da antológica capa das mulheres nuas (que teria sido incorporada para encorpar o mito sexual que cercava o artista).
A canção pop passava a importar menos que o virtuosismo -Hendrix lançava os fundamentos de mais duas vertentes, bem mais depressivas: a do rock progressivo (Pink Floyd, Soft Machine) e a do hard rock (Led Zeppelin).
A tendência foi radicalizada a seguir, anunciando possível derrocada -que poderia ser episódica, não tivesse ele morrido a seguir.
Em maus lençóis contratuais, Hendrix esforçava-se para conceber um novo álbum, que devia à Capitol Records.
O Experience já entrara em pane -não sobreviveu para pisar no palco do Woodstock, em que Hendrix se fez acompanhar por uma big band-, e a inspiração para o tal disco não se materializava.
Tomou por solução gravá-lo ao vivo. "Band of Gypsys" (70) é o resultado da empreitada, e também o nome de sua nova banda, formada pelo baterista Buddy Miles e pelo baixista Billy Cox.
As seis longas faixas são pura masturbação virtuosística, a ser apreciada por músicos e/ou fanáticos. Dão a pista de que algum viço pop havia se perdido, de que algo não ia bem no reinado de Hendrix.
O tal "First Rays of the New Rising Sun" é pista de que vigor ainda havia. Evidencia-o já privado da inocência, mas ainda apegado aos formatos pop e até ("Night Bird Flying") à velha psicodelia.
Hendrix teria, aí, duas possibilidades ensejadas -a do pop e a do virtuose- e abortadas no final de 70, quando, intoxicado por barbitúricos, morreu sufocado pelo próprio vômito, aos 27 anos. O panteão pop ganhou um de seus maiores heróis, e os influenciados fizeram o que quiseram daí em diante, para o bem e para o mal.

Discos: Jimi Hendrix (cinco títulos)
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 18, em média, cada CD

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