São Paulo, terça-feira, 22 de julho de 1997
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Façam seus jogos

ANDRÉ LARA RESENDE

Tivemos uma semana agitada. A crise cambial do Sudeste Asiático se alastrou e as Bolsas brasileiras amargaram perdas pesadas. Sinal de crise iminente?
Primeiro, os argumentos do pessimismo. O déficit de transações correntes dobrou em relação ao primeiro semestre do ano passado. Por trás do déficit crescente está a deterioração das contas comerciais. Não há sinais de que o rápido crescimento das importações esteja por se estabilizar.
Como as exportações crescem a taxas bem mais modestas, somos hoje, e seremos cada vez mais, dependentes de capitais internacionais de curto prazo. Capitais nervosos e voláteis.
Não temos como reverter esse quadro. A estabilização ainda recente não pode prescindir do câmbio relativamente fixo. A sobrevalorização da moeda, acumulada desde a introdução do Real, pune as exportações e -mais grave- desestimula os investimentos voltados para as exportações.
As reformas de fundo continuam paralisadas pelo intrincado processo de negociação parlamentar. A inexorável lógica do ciclo político não deixa alternativa: não será possível rever a política cambial, promover reformas estruturais ou conter a pressão pelos gastos, daqui até as eleições.
Finalmente, a abundância de recursos externos é temporária. Trata-se apenas de mais um ciclo de expansão da liquidez financeira internacional, que não deverá resistir aos primeiros sinais de aperto da política monetária americana. Estejamos, portanto, preparados para grandes turbulências.
Passemos às razões do otimismo. Saímos de um estado avançado de necrose econômica. Foram décadas de inflação crônica, de monopólios estatais, de corporativismo e do mais inexpugnável protecionismo comercial. O acesso ao mercado internacional de capitais estava completamente interrompido. A estabilidade da moeda transformou o país.
A indústria se moderniza, os investimentos se recuperam e o mercado interno, irrigado pela recuperação do poder aquisitivo e pelo reaparecimento do crédito ao consumidor, retoma sua força extraordinária.
O crescimento do déficit é apenas a expressão, inevitável e transitória, de um salutar processo de recuperação da vitalidade econômica. O maior recurso à poupança externa é natural num mundo cada vez mais integrado.
Em relação ao produto interno, tanto o déficit quanto o endividamento externo estão longe dos números observados nos países atingidos por crises cambiais. A valorização do real é apenas moderada.
As pequenas desvalorizações promovidas pelo Banco Central, acompanhadas pelos ganhos de produtividade, são a melhor alternativa para a recuperação da competitividade, sem pôr em risco a estabilidade da moeda.
O governo tem feito um importante esforço de disciplina fiscal. Se os resultados estão aquém do desejado, é porque a reorganização das contas públicas é tarefa hercúlea, impossível de ser alcançada da noite para o dia, mas fruto da coerência e da persistência.
O avanço das privatizações e a firme decisão de utilizar os recursos para reduzir um endividamento altamente oneroso não deixam dúvida: a direção está correta.
A possibilidade da reeleição reduziu o risco de descontinuidade e alongou o horizonte. Com o avanço das reformas, os ganhos de produtividade e o aumento da poupança interna serão a garantia do crescimento sustentado com equilíbrio externo.
Compreende-se a ciclotimia das Bolsas.

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