São Paulo, sábado, 26 de julho de 1997
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O descumprimento de preceito fundamental

ANDRÉ RAMOS TAVARES

A Constituição apresenta uma série de dispositivos que ainda não obtiveram o beneplácito da regulamentação pelo Congresso Nacional. Alguns outros, embora imediatamente aplicáveis e exigíveis, firmam-se como normas não observadas. A Constituição aparece, neste contexto, para utilizar-se de expressão cunhada por Ferdinand Lassalle, como mera folha de papel.
Embora a própria Carta Magna tenha criado instrumentos para enfrentar o mal da morosidade legislativa e da inobservância ou inefetividade de suas normas, muitas vezes situações emergentes do contexto social ficam ao desamparo do sistema jurídico.
Dentre as normas de suma importância que restam letra morta no texto constitucional, temos a do parágrafo 1º do artigo 102. Nesse dispositivo, encontra-se instituída a denominada "arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição" que, uma vez disciplinada pela legislação ordinária, em muito poderia contribuir como mais um instrumento para maior observância da Constituição.
O artigo constitucional prevê que a apreciação da arguição se dará na forma da lei. Trata-se, pois, de norma de eficácia limitada, na classificação de José Afonso da Silva, a depender da emissão de uma normatividade futura, ou seja, são normas de integração completáveis, na denominação que lhes conferiram Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres de Britto.
Buscando a regulamentação dessa norma, o Poder Executivo, por intermédio do Ministério da Justiça, nomeou, sob a coordenação do professor Celso Ribeiro Bastos, comissão composta por grandes juristas, tendente a elaborar os termos em que se dará essa arguição.
Assim é que, cabendo ao Supremo Tribunal Federal seu conhecimento, serviria para a preservação de preceito fundamental violado, como o da harmonia entre os poderes, o da dignidade da pessoa humana ou mesmo o da não subalternização das funções jurisdicionais, dentre outros princípios constitucionais. Eis aqui o cerne da questão porque não é tarefa fácil a de precisar o conceito referente aos "preceitos fundamentais".
A nova lei terá ainda de expor o rol dos legitimados para a propositura da ação, as condições de admissibilidade, a eficácia que poderá ser "erga omnes" e com efeito vinculante e outros tantos pontos que estão a requerer uma análise mais profunda.
Com essa regulamentação, certamente o Supremo passará a ocupar, em sua plenitude, a verdadeira posição de guardião da Constituição que lhe foi cometida pela própria Carta Política. E isso se daria exatamente pela instituição desse especial tratamento aos preceitos constitucionais basilares, que, justamente por sua fundamentalidade, estão a merecer essa especial abordagem.
Este seria, certamente, o passo inicial para tornar o supremo tribunal constitucional, definitivamente, uma corte constitucional. A alta tarefa de preservação da Constituição não se coaduna com a função de um mero tribunal de recursos nem com o julgamento de tantas outras ações que não se inserem nas atribuições de uma corte constitucional. Eis aí o próximo passo a ser amplamente discutido nas reformas do Judiciário.

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