São Paulo, sábado, 26 de julho de 1997
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A última vez

HUMBERTO COSTA

As atuais greves de policiais militares são emblemáticas da falência do modelo de segurança pública vigente no país. Apenados pela política econômica federal, que concentra recursos e subtrai suas receitas, os Estados se vêem impossibilitados de garantir proteção ao cidadão.
Suas polícias desaparelhadas abrigam profissionais mal remunerados, submetidos a precárias condições de trabalho. Isso torna justas as reivindicações dos PMs e incompetentes os governadores que a elas não se anteciparam.
Somem-se a isso as contradições estruturais das polícias militares, sua rígida hierarquia, a férrea disciplina, a subordinação às Forças Armadas, a quase impossibilidade de ascensão funcional e as gritantes distorções na relação oficialato-tropa. Estão dados os ingredientes de uma crise potencialmente explosiva.
Apesar da justeza das reivindicações e do salutar processo de conscientização de cidadania que o movimento produz entre os PMs, cabe uma reflexão sobre a forma de luta adotada.
Os integrantes de um poder legal e militarizado, que têm a prerrogativa do uso da força e das armas, não devem se valer dessa condição para pressionar a sociedade ou os governos. Uma greve de Forças Armadas, de luta sindical, transforma-se em rebelião.
Aqui cabe uma dramática pergunta: a sociedade conseguirá conviver com campanhas salariais anuais dos PMs? Abre-se um grave precedente: se é legítimo aos militares paralisar atividades por salários, como questionar a legitimidade da greve quando, por razões políticas, se decida, por exemplo, resistir à desmilitarização e à unificação das polícias?
Nessa questão, a esquerda deve ressaltar a necessidade de uma política democrática de segurança pública, baseada na defesa do cidadão e dos direitos humanos e no respeito à dignidade do policial.
Aos que, de forma aventureira, torcem para ver em greve nas ruas, além dos PMs, os soldados das Forças Armadas, cabe uma lembrança: à última vez que esse filme foi exibido, seguiram-se 21 anos de sombras em nosso país.

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