São Paulo, sábado, 26 de julho de 1997
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Crise de autoridade

JAIR BOLSONARO

A grande crise que o Brasil atravessa atualmente é a de autoridade. Fiquei perplexo quando ouvi o presidente bradar que não ia "admitir indisciplina nas polícias militares". Ora, um presidente que se empenhou de corpo e alma contra a instalação da CPI da compra e venda de votos não dispõe de retaguarda moral para exigir nada. E é nesse contexto, e com essas autoridades, que se buscam soluções.
Por vezes nos submetemos a algum tipo de vacina para que um mal maior, ou até mesmo a morte, seja evitado. As polícias militares há muito não passavam de instituições que precisavam se autovalorizar. Os deslizes de alguns de seus membros eram superdimensionados, a exceção tornava-se regra. Diadema, uma exceção, contagiou negativamente todas as PMs.
Buscando solução simplista, o governador de São Paulo tornou público um rascunho de proposta de emenda constitucional simplesmente extinguindo as praças das forças auxiliares. Talvez o governador não saiba que um velho sargento ou subtenente da ativa, já avô, é um praça. E, caso exonerado, engrossaria as fileiras dos desempregados. Mário Covas acendeu talvez o estopim que deflagrou os movimentos.
Cansados de ser escravizados, quando qualquer reivindicação era impiedosamente repelida em nome da hierarquia e da disciplina, as praças resolveram mostrar a todo o Brasil suas entranhas. Primeiramente, a imoralidade dos salários de alguns coronéis, donos da chibata disciplinadora para defender seus próprios privilégios. É fácil pedir patriotismo e respeito à lei quando se vive nababescamente, com salários, por vezes, duas vezes maiores que os de um deputado ou senador.
Basta! Esta foi a palavra de ordem. A população, assim como um corpo sente os sintomas febris de uma vacina, está sofrendo um pouco com as greves das PMs, mas, com um salário menos indigno, no futuro, todos sentirão os efeitos benéficos de uma segurança pública exercida por homens que lutaram para se fazer ouvir e respeitar.
A principal consequência será a busca, por parte de jovens mais preparados, da carreira policial.
As autoridades deixarão de se prevalecer da disciplina para subjugar seus subordinados. As Assembléias Legislativas devem dar continuidade à restauração da vergonha salarial entre alguns coronéis e todas as praças, revogando as escandalosas leis que permitem, pelas incorporações de vantagens, o surgimento de novos marajás de farda. Em qualquer instituição, para que a hierarquia e a disciplina sejam mantidas, os sacrifícios têm que ser distribuídos entre todos, quer sejam oficiais ou praças.
O que está se vendo pelos Estados ninguém poderia imaginar um dia acontecer. Mas as PMs se fortalecem. A verdadeira camaradagem entre comandantes e comandados se fará valer de verdade no futuro. A ordem aos poucos vai se restabelecendo, e a constatação de que tem faltado capacidade para as autoridades se anteciparem aos problemas fica como exemplo a ser evitado.
Conclui-se, então, que, longe de uma ameaça à ordem, os desencontros de agora servirão para aprimorar os procedimentos dos chefes das instituições, que teimam em se fazer respeitar internamente pela intimidação e pelo descaso. Um novo regulamento disciplinar e um novo estatuto consolidarão o mútuo respeito entre oficiais e praças.

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