São Paulo, terça-feira, 29 de julho de 1997
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O salto dos salários

CELSO PINTO

Dois alertas, de origens bem diferentes, chamam a atenção para o impacto dos salários sobre a competitividade da economia brasileira.
O primeiro veio num café da manhã da Câmara Brasileira-Americana de Comércio em Nova York, ontem, numa exposição da economista brasileira Eliana Cardoso. Ex-secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda até o ano passado, Eliana trabalha, hoje, no FMI, em Washington.
O Plano Real melhorou os rendimentos dos mais pobres e reduziu a taxa de pobreza em seis regiões metropolitanas. Muitos argumentam que o fim do chamado "imposto inflacionário", o efeito corrosivo da inflação sobre a moeda retida pelas pessoas, foi o principal motor desta melhora. Eliana duvida.
O imposto inflacionário representou, em média, 4% do PIB ao ano, entre 1950 e 1995. Mesmo quando a inflação disparou, a proporção de emissão não subiu porque as pessoas passaram a reter menos moeda.
Os 20% mais pobres no Brasil ficam com apenas 2% da renda nacional. Se eles tivessem pago a maior parte do custo do imposto inflacionário nos anos 80, não teriam sobrevivido.
Eliana argumenta que o custo do imposto inflacionário, para os mais pobres, foi relativamente menor do que a perda provocada pela inflação no valor real dos salários. Para uma inflação de 1.000% ao ano, um trabalhador que recebesse seu salário mensalmente e passasse o mês com um quarto dele no bolso, perderia 4,5% de seu salário real.
Com a mesma inflação de 1.000%, o simples pagamento do salário 15 dias depois do mês trabalhado implicava numa perda de 10% no valor real. As perdas provocadas pela inflação sobre os salários eram duas a três vezes maiores do que as geradas pelo imposto inflacionário.
Por esta razão, argumenta, o que explica a melhora da situação dos mais pobres depois do Real foram os aumentos reais de salários, que deixaram de ser corroídos pela inflação. Entre dezembro de 94 e de 96, o salário mínimo subiu 20% acima da inflação e o salário real em São Paulo subiu 19%. Esse aumento de salário, junto com os déficits do setor público, explicam o "boom" de consumo que seguiu-se ao Real.
A questão que fica é saber se este novo nível de salários é sustentável. A aposta do governo é que será, graças ao aumento da produtividade gerado pelas reformas. Eliana lembra, contudo, que existem outras formas mais perversas de ajuste: a volta da inflação, o aumento do desemprego (ajudando a corroer os salários reais, como na Argentina) e uma desvalorização cambial (como no México). O mercado, até agora, parece acreditar na aposta do governo.
Aumento de 114% em dólares
A segunda advertência está num estudo assinado pelos economistas Paulo Yokota e Eduardo Freitas, no boletim "Idéias" de julho (consultoria que tem como sócio o deputado Delfim Netto).
Os dois lembram que os salários em dólares pagos pela indústria paulista cresceram 114% entre 1990 e 1997 (maio), principalmente depois do Plano Real. Neste mesmo período subiu 63% o salário real, ou seja, gerado por aumentos acima da inflação. O resto do aumento em dólares, ou 31%, foi provocado pela valorização cambial do real frente ao dólar.
Este aumento em dólares significa mais custos para a produção, estimulando mais importações e reduzindo as exportações. A produtividade compensou apenas parcialmente este aumento de custos. Mesmo medindo-a da forma mais generosa, o total produzido dividido pelas horas trabalhadas, o aumento no período foi de 83%, insuficiente para compensar o aumento de 114% no custo médio dos salários em dólares.
A diferença, portanto, ou resultou em aumento de preço do produto brasileiro ou na redução da margem de lucro, afetando o investimento. Nos dois casos, em prejuízo das exportações e da balança comercial.
Para ganhar competitividade seria preciso que a produtividade crescesse mais rápido que em outros países competidores do Brasil. Uma desvalorização do câmbio também poderia reduzir o salário em dólares, com impacto menor sobre o poder aquisitivo do que se isso ocorresse por aumento do desemprego ou da inflação, pois muitos bens consumidos não são importados ou afetados pela importação.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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