São Paulo, terça-feira, 29 de julho de 1997 |
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Professor Castro e a caça às bruxas solitárias
MARILENE FELINTO
Já não importa se o professor que se chamava Castro -e que a imprensa toda chama, com desrespeitosa intimidade, de "Leonardo"- é um psicopata assassino ou um simples cidadão transformado em excêntrico ou desequilibrado mental pelo Estado e pela imprensa. Pouco importa, também, se a PF tem realmente provas que o incriminem. O estrago já está feito. Enxovalharam de tal modo sua reputação que prova alguma, a essa altura, para bem ou para mal, terá qualquer efeito sobre o rombo aberto em sua vida privada. Sumiu, aliás, do noticiário, a explicação de um delegado para a suposta "tentativa de suicídio" do professor: a de que no mesmo lugar onde ele foi atropelado por um ônibus, a avenida Santo Amaro em São Paulo, há pelo menos um atropelamento por semana, pois o pedestre entra desavisado na faixa exclusiva de ônibus. Não bastou invadir a casa do professor meio surdo, meio desorientado depois do acidente no avião. Entregaram tudo à imprensa, que devolveu então em picadinhos à sociedade o que sobrou do professor que se chamava Castro. A imagem é uma só: a do tarado, homossexual, suicida, condômino de "hábitos estranhos" e "ranzinza", só porque reclamava do barulho dessa verdadeira praga urbana chamada vizinho de apartamento. Só porque não sorria para essa praga urbana chamada vizinho de apartamento. Só porque era um solitário. Só porque não via problema em dividir a sala da casa com caixas de papelão -em vez de ter usado uma divisória de design moderno, comprada em shopping center. Só porque não se entendia com a irmã. A sociedade de que o professor parece meio afastado detesta solidão. Pune com escárnio os que fogem a seus padrões, os que não se adaptam às expectativas e às aspirações traçadas na média, na visão média, no gosto médio, no comportamento previsto. A vida e a literatura estão cheias de exemplos desses estrangeiros, homens injustiçados, condenados por antecipação apenas por não corresponderem aos modelos sociais considerados normais, apenas por não reagirem do modo como se espera que reajam. Melhor para o professor Castro seria talvez morrer ou ser mesmo o assassino, só para satisfazer a lógica precária e perversa do sistema social medíocre que já o condenou. Ainda que o professor tenha plantado uma criminosa bomba no avião da TAM, deveria ser tratado apenas como um homem doente, necessitado de ajuda. Se é que não devemos a ele prêmio por ter chegado são, ou semi-são, que seja, aos 59 anos, e professor, numa sociedade destrutiva como essa. E-mailmfelinto@uol.com.br Texto Anterior: Empresas cobram Pitta e ônibus pode parar Próximo Texto: Brasil pode extraditar inglês Ronald Biggs Índice |
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