São Paulo, terça-feira, 29 de julho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A "nossa" imagem dos outros

ARNALDO CARRILHO

É regra um misto de arrogância, desinformação e veleidade contaminar as análises e conceitos ocidentais sobre fatos e fenômenos de outras civilizações e culturas.
A Ásia chegou-nos, desde o início do mês, mediante o grande evento celebrativo da reversão de Hong Kong à soberania da China e, dias depois, o corte dramático das amarras cambiais do baht, a moeda tailandesa.
Se percorrermos retrospectivamente o que se publicou e disse a propósito, a conclusão seria a de que se escreve e argumenta sem reflexão própria. Foram com desfaçatez reproduzidos noticiários de maneira acrítica, como se as tropas chinesas tivessem invadido a ex-colônia da coroa britânica, prontas para baixar o sarrafo na população local; de igual maneira, a economia tailandesa teria soçobrado, estatelada de quatro.
Debruçados em manipulações, os comentários não escondiam certo prazer, não se sabe de quê, ao apontarem o inerme tigre Hong Kong nas garras do dragão comunista da maldade, enquanto a Tailândia ficava jogada na vala comum das falências inapeláveis.
Pois nada disso aconteceu. As forças chinesas de terra, mar e ar do EPL (Exército Popular de LIbertação), compostas de 4.409 homens e mulheres, vieram substituir as correspondentes britânicas, de 9.000, conforme previsto nos ajustes entre Londres e Pequim. Esses atos internacionais prescrevem que o objetivo único de sua presença na Raehk (Região Administrativa Especial de Hong Kong) é a defesa externa do território reincorporado à China.
Enquanto isso, prosseguem febricitantes como sempre os negócios bilionários daquele grande centro de serviços comerciais e financeiros. São 2,1 milhões de empregados desses setores, 400 mil só nos de caráter financeiro, logo em seguida a Nova York (440 mil).
O alto grau de autonomia com que os chineses se empenharam em gerir a Raehk visa à movimentação transnacional de capitais e à preservação das liberdades públicas e privadas, imprescindíveis às transações em sua praça.
Quanto à Tailândia, que, com a Indonésia e a Malásia, forma o grupo das economias asiáticas de alto desempenho, convém logo deixar bem claro que suas autoridades econômicas estão enfrentando a crise econômica com exemplar bom senso e extrema coragem.
Há 13 anos, tal como entre nós desde a consolidação da URV, que introduziu o real em 1994, a paridade do baht foi estabelecida não pelas forças do mercado, mas pelo Banco da Tailândia, com faixa cambial e tudo.
Claro que a moeda se manteve sobrevalorizada, o que não constituiu problema enquanto a economia apresentava o mais elevado ritmo de crescimento mundial no decênio 1985-94 (média de 8,25% por ano).
Ao contrário do que se vem afirmando, suas exportações não começaram a cair (o país tem vendido ao exterior mais US$ 10 bilhões/ano de mercadorias que o Brasil); as importações é que passaram a crescer exponencialmente.
O resultado foi o alarmante déficit de transações correntes (US$ 14,5 bilhões) e uma incontrolável expansão de crédito, financiada por bancos estrangeiros. Soltar o câmbio e deixar o baht flutuar livremente foi a medida mais acertada.
Flutuação não é desvalorização, que consiste em reajustar uma moeda a taxas inferiores às principais divisas. O câmbio fixo, como se sabe, é o grande obstáculo à movimentação de capitais, essencial às economias asiáticas, importadoras de insumos para a produção de bens exportáveis.
É esse modelo que se encontra em fase de transição agora, daí a presente fase, que já se apelidou de "pausa dos tigres". Pausa, por sinal, necessária à mudança do modelo industrial crepuscular (trabalho intensivo) para o de alvorecer (capital intensivo e novas tecnologias), único modo de sair do atoleiro.
Nada tampouco existe de "efeito tequila" na crise tailandesa, bem diferente e de menor vulto que a mexicana de três anos passados: a Tailândia é uma economia endividada, porém dispõe de vigorosa taxa de poupança (34% do PIB) e reservas cambiais (mais de US$ 33 bilhões). Resta saber se o balão de oxigênio em que flutua o baht reaprumará uma economia que, em menos de 20 anos, reduziu a pobreza absoluta de 57% para 20% do total de seus atuais 61 milhões de habitantes.

Texto Anterior: Tiro no pé
Próximo Texto: Dólar bate novos recordes na Europa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.