São Paulo, terça-feira, 29 de julho de 1997
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A responsabilidade na aviação

LUÍS NASSIF

Há duas disputas em torno dos últimos acidentes aéreos. Uma, de ordem comercial, a guerra da aviação civil -tema que abordei na coluna de 20 de julho passado. Outra, do setor como um todo em relação aos passageiros -tema mais relevante, que acabei apenas tangenciando na coluna de 22 de julho.
Recebo carta de Flávio Araújo, pai de uma das vítimas do acidente com o Fokker da TAM, chamando atenção para o segundo ângulo.
Flávio se queixa da falta de atendimento que sua família tem recebido e das manobras jurídicas para retardar os processos de indenização. Alega-se a necessidade de primeiro apurar as responsabilidades -aguardando o laudo do Departamento de Aviação Civil (DAC)- para depois acionar os responsáveis. O laudo do DAC está sendo preparado há inacreditáveis nove meses, de maneira sigilosa.
Depois de pronto, o laudo terá de ser vertido para o inglês e remetido para organismos internacionais, a fim de obter seu aval. Só a partir disso se terá definição clara de responsabilidades, para que os responsáveis possam ser acionados.
Flávio Araújo usa a lógica para refutar esse processo -e bate em um princípio de direito, cuja indefinição tem permitido a muitos tribunais postergarem decisões, ferindo direitos dos consumidores.
Diz ele: foi da TAM que seu filho comprou a passagem. Logo, é a TAM que deve responder, em primeira instância, pelas mortes -independentemente de ser culpada ou não. Constatadas outras responsabilidades, caberá a ela -não aos passageiros- acionar os responsáveis, para se ressarcir de indenizações que venha a pagar.
De fato, é a TAM que compra aviões, compra peças de manutenção, contrata equipe e se relaciona com as autoridades aeronáuticas.
Como entender que um passageiro compre uma passagem em um balcão do aeroporto de Congonhas, para uma viagem interna, e sua família se veja obrigada -sem dispor de fôlego financeiro, conhecimento internacional e sem jamais ter tratado com o fabricante- a contratar advogados que entendam da complexidade da aeronáutica, da legislação internacional, para processar o fabricante perante tribunais de outro país?
O princípio é semelhante ao das ações de poupadores contra bancos, pretendendo a correção monetária referente ao Plano Collor.
Advogados de bancos alegaram (com razão) que a ordem partiu do Banco Central; logo, a ação deveria ser dirigida contra o BC. Juristas renomados sustentaram que a relação contratual do poupador era com seu banco e não caberia e ele, poupador, entender a complexidade do sistema financeiro. A ação deveria, portanto, ser contra o banco, que, perdendo-a, poderia ingressar com uma ação regressiva contra o BC.
Regulação
O segundo ponto relevante da questão é a regulação do setor.
Acidentes podem ocorrer por defeitos de fabricação -caso em que o responsável é o fabricante-, problemas de manutenção -responsabilidade da companhia e do órgão regulador-, falta de controles do espaço aéreo -responsabilidade do órgão regulador- ou erro do piloto.
A responsabilidade pelo acidente está sendo apurada pelo DAC, que é o órgão regulador e fiscalizador. Além de ser parte interessada, por suas próprias atribuições sua relação de solidariedade é com as companhias que ele regula, não com os passageiros.
É factível supor que o DAC elaboraria um laudo que servisse de prova para uma ação contra ele próprio? Difícil. Como conferir a ele o poder absoluto de realizar as investigações e mantê-las sob sigilo?
Aí chega-se à questão central. Há razão para se invocar o sigilo, ou impedir que leigos tenham acesso a informações técnicas em investigações sobre acidentes aéreos?
Não, responde o comandante Flávio Souza, formado pelo Systems Safety Institute da Universidade do Sul da Califórnia em Investigação de Acidentes e Segurança de Vôo e em Human Factors in Aviation Safety, e autor de um livro, ainda inédito, sobre segurança de vôo. "Não há nada tão difícil na administração de um sistema de aviação e em uma investigação de acidente que impeça um cidadão qualquer de participar ativamente dela, inclusive contribuindo para a elucidação do caso", sustenta ele.
A essência de um acidente bem investigado, continua, é principalmente a transparência da investigação, mantendo a opinião pública sempre informada. Portanto, o primeiro passo para garantir os direitos dos consumidores seria permitir a participação de seus representantes em investigações sobre acidentes aéreos e nas informações do DAC.
"Todo cidadão brasileiro continua sendo roubado na sua cidadania quando não lhe permitem que saiba que tipo de empresa é a que voa, como funciona a autoridade regulatória de aviação do seu país, quais os parâmetros que foram utilizados para a homologação do avião e como estão preparados os pilotos", diz o comandante.
Os elementos para que se inicie essa discussão estão todos disponíveis. Não há por que adiar um tema onde entra em jogo não apenas o "custo Brasil", mas vidas humanas.

Email: lnassif@uol.com.br

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