São Paulo, terça-feira, 29 de julho de 1997
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França homenageia Kieslowski

MARTA AVANCINI
DE PARIS

A França homenageia o cineasta polonês Krysztof Kieslowski, lançando "A Cicatriz", um longa-metragem inédito no circuito comercial.
Kieslowski morreu em 13 de março de 96 e está sendo homenageado com uma retrospectiva que inclui, além do inédito, um conjunto de filmes que permite acompanhar a evolução de sua obra.
São três filmes do começo de sua carreira como diretor de cinema -"O Amador", "O Acaso" e "Sem Fim" -, e a trilogia inspirada no simbolismo das cores que compõem a bandeira francesa composta por "A Liberdade É Azul", "'A Fraternidade É Vermelha" e "A Igualdade É Branca".
Realizado em 1976, o filme é a primeira incursão de Kieslowski no cinema depois de ter trabalhado seis anos na realização de curtas-metragens e filmes para a TV.
"A Cicatriz" chegou a ser exibido fora da Polônia duas vezes em 1978. A primeira ocorreu no 18º Fórum Internacional de Cinema Jovem de Berlim (Alemanha), e a segunda, no festival de Cannes.
Depois disso, o filme se tornou alvo da censura do Partido Comunista, que governava a Polônia na época, e chegou a ser mostrado apenas uma vez na TV polonesa.
A censura se explica pelo teor de "A Cicatriz". A partir da história das mudanças causadas no cotidiano de uma cidade do interior da Polônia por causa da construção de um complexo químico, Kieslowski faz um filme que evoca as greves de 70 e questiona a tecnocracia comunista e seus métodos de administração.
Essas greves foram provocadas pelo aumento de preço e acabaram por derrubar o governo de Wladyslaw Gomulka.
Na época, Kieslowski era ligado a um grupo de jovens autores que renovou a produção do Leste Europeu por meio do "cinema da inquietude moral". Herdeiros intelectuais de Andrzej Wajda ("O Homem de Mármore"), esses cineastas trouxeram um novo olhar crítico e questionador sobre o mundo que os rodeava.
No caso de "A Cicatriz", o questionamento toma como fio condutor as angústias, dúvidas e impasses vividos por Bednarz, tecnocrata responsável pelo gerenciamento de um complexo químico.
Bednarz é, em essência, um homem honesto e bem intencionado, que se vê impossiblitado de fazer as coisas à maneira dele por causa das pressões da cúpula do PC.
Assim, ele vê frustradas as expectativas de transformar o complexo químico em algo que traga progresso e benefício para a comunidade em que ele está instalado.
A cúpula do partido, por sua vez, vai se tornando progressivamente insatisfeita com os desvios de Bednarz e sua incapacidade de solucionar os conflitos.
A situação fica insustentável quando os funcionários do complexo entram em greve. O resultado é a aposentadoria precoce de Bednarz, que reencontra a tranquilidade em casa, ensinando seu neto a andar, como mostra a cena de encerramento do filme.
Para Vincent Amiel, jornalista e crítico da revista francesa "Posiitf", a força da obra de Kieslowski reside na capacidade de o cineasta fazer conviver a violência de situações cotidianas com uma frieza decorrente de um olhar à distância.
"Isso também é perceptível em seus documentários, antes de ele fazer ficção, e é daí que decorre a força dessas primeiras obras", disse Amiel à Folha.

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