São Paulo, terça-feira, 29 de julho de 1997
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'Decálogo' é ponto alto do cineasta

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Vista em seu conjunto, a obra de Krzystof Kieslowski apresenta uma evolução muito nítida. Dos primeiros documentários, voltados para os problemas sociais da Polônia, às produções internacionais da última fase, há uma tendência ao desenraizamento histórico-social e à busca de uma expressão "universal", que dê conta dos problemas morais do homem contemporâneo.
No meio desse caminho rumo à generalização está o que de melhor o cineasta produziu: a série "Decálogo" (1988), com filmes de uma hora para a TV polonesa e inspirados nos Mandamentos bíblicos.
Como confirma a célebre máxima de Tolstoi ("Se quer ser universal, cante a sua aldeia"), é nesses pequenos ensaios de humanismo cristão, fincados na Polônia de hoje, que a obra de Kieslowski alcança sua significação mais profunda.
Comparados com os episódios do "Decálogo", os últimos longas do cineasta soam um tanto inflados, grandiloquentes, posados.
O "Decálogo", é pura substância. Ao buscar a centelha divina na existência cinzenta de poloneses comuns, o cinema de Kieslowski brilha com luz própria.
Embora os episódios "Não Matarás" e "Não Amarás" tenham projetado o cineasta ao mundo, o capítulo referente ao mandamento "Amarás Teu Deus" explicita bem sua filosofia.
Nele, vemos um garoto que quer patinar em um lago congelado. O pai, intelectual racionalista, faz complicados cálculos sobre a resistência do gelo e conclui que, no dia tal, o menino pode patinar sem risco. O garoto vai e, contra toda probabilidade científica, o gelo cede, afogando-o.
A crença de Kieslowski está toda aí: a manifestação divina é tudo que, para o bem ou para o mal, não pode ser previsto. É o que faz do acaso o agente dos encontros e desencontros dos personagens. Para ele, acaso e destino são só outros nomes da vontade de Deus.

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