São Paulo, terça-feira, 29 de julho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A cruz de ouro

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Os protestos de rua da semana passada foram fracativos. Nem por isso o governo deve se alegrar: a situação permanece tensa e de uma hora para outra pode começar uma mobilização popular que dará muita dor de cabeça não apenas aos responsáveis pela ordem, mas à sociedade em geral.
Em linhas gerais, a estabilidade do real garante um mínimo de governabilidade no plano federal -embora a situação não seja a mesma nos Estados, alguns deles já ingovernáveis. O presidente está visivelmente desgastado pelas constantes e cada vez mais vexatórias crises internas do governo -a oposição não o prejudica, os aliados é que o desmoralizam e o comprometem diante da nação.
Apesar de estar esticada, não será por aí que a corda estourará. O modelo econômico continua produzindo condições explosivas nos quartéis das PMs e que poderão se alastrar até os quartéis do Exército. O neoliberalismo -uso a boa imagem lançada por Roger Garaudy -está crucificando o povo numa cruz de ouro.
Os Estados, os grandes complexos empresariais, desvinculados do nacionalismo retrógrado e dos compromissos sociais, tendem a ficar cada vez mais ricos numa escala absurda. Lidam com impulsos eletrônicos que registram quantias astronômicas que realmente não existem.
É como aquele jogo que fez muito sucesso quando apareceu. Com nomes diferentes ("Monopólio", "Banco Imobiliário" etc.), utilizavam valores fictícios. Depois de algum tempo, concluído determinado número de lances, fatalmente um dos jogadores fica dono de tudo.
Na economia real, a tendência será a mesma: mais alguns anos de neoliberalismo, de ditadura do mercado, e teremos todo o ouro do mundo concentrado na mão de alguns poucos conglomerados internacionais que substituirão os Estados. Esse ouro será tanto e tamanho que dará para fazer a gigantesca cruz de que fala Garaudy. É nela que o povo está sendo pregado.

Texto Anterior: O grande divã
Próximo Texto: Razão e vontade
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.